Mergulhado numa verdadeira epidemia de crack, essa droga devastadora que infelicita os lares brasileiros, o Brasil precisa reagir vigorosamente contra essa maldição que se transformou no pior pesadelo das famílias brasileiras.
Em Bom Jesus e região, embora não se tenham dados estatísticos, salta aos olhos a incidência dessa praga que corrói o tecido social, levando à violência, ao suicídio, à morte prematura e à quase irreversível destruição física e moral dos usuários.
Os efeitos do crack são tão devastadores, tão letais, que quem quiser pesquisar na Internet tomará conhecimento de algo incrível, inacreditável: muitos traficantes estão parando de vender crack, porque a droga mata tanto que seus clientes estão diminuindo consideravelmente.
Uma curiosidade: a droga é denominada crack porque a pedra emite pequenos estalos quando queimada.
O que é o crack
O crack é mais potente do que qualquer outra droga e provoca dependência desde a primeira pedra. A droga é de fácil acesso, sem cheiro, de efeito imediato e aprisiona pacientes e seus familiares.
Baixo custo ilusório
O baixo custo da pedra - em torno de R$ 5 - revela-se ilusório. Empurrado para o precipício da fissura, o dependente precisa fumar 20, 30 vezes por dia. Desfaz-se de todos os bens, furta de familiares e amigos e, por fim, começa a cometer crimes. A pedra de crack é produzida com a mistura de cocaína e bicarbonato de sódio ou amônia. Sua forma sólida permite que seja fumada. O usuário queima a pedra de crack em cachimbo e aspira a fumaça. O crack também é misturado a cigarros de maconha, chamados de piticos.
Efeitos
O crack chega ao cérebro em oito a 12 segundos e provoca intensa euforia e autoconfiança. Essa sensação persiste por cinco a 10 minutos. Para comparar: ao ser cheirada, a cocaína em pó leva de 10 a 15 minutos para começar a fazer efeito. A fumaça do crack atinge rapidamente o pulmão, entra na corrente sanguínea e chega ao cérebro. É a forma de uso, não a composição, que torna a pedra mais potente.
Vício não tem cura
Seja para o crack ou qualquer outra droga, não existem tratamentos ou remédios que curem um viciado, explica o psiquiatra Felix Kessler, do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Médicos até podem receitar antidepressivos ou ansiolíticos, mas são as sessões de fortalecimento espiritual as principais ferramentas para que o usuário reprograme o cérebro e consiga superar a compulsão pela droga. O método de 12 passos, adotado por várias clínicas, foi criado em 1935, nos Estados Unidos, para o tratamento de alcoolismo e acabou estendido a outros tipos de dependências. Na luta contra o vício, o usuário assume o compromisso consigo mesmo de "só por hoje nunca mais" usar drogas.
Força e apoio
Os usuários que superam a fissura pela pedra são aqueles que conseguem dar o primeiro passo: percebem que estão muito doentes e têm de se tratar. Quanto mais cedo uma pessoa inicia o tratamento, melhor. É mais fácil recuperar um viciado há três meses que há três anos. Para não recair, a força de vontade e o apoio familiar são essenciais.
Por que 90% recaem no crack?
Sem sentir prazer por nada, o usuário passa a viver em função da droga. O crack chega ao cérebro de forma tão rápida e intensa que é capaz de transformar mecanismos do sistema cerebral. O crack bloqueia a absorção natural da dopamina, o neurotransmissor que emite a sensação de prazer. Com os neurônios encharcados da substância, surge uma sensação imensa de euforia. Quando o efeito passa, vem a urgência da repetição.
Alucinações
Como a dopamina é o principal regulador do sistema de prazer e recompensa, o crack vicia rapidamente, explica o psiquiatra Felix Kessler. Com o tempo de uso, como muita dopamina é colocada à disposição, suas reservas vão se esgotando. O cérebro se torna menos sensível à droga e a sensação de prazer é substituída por alucinações.
Inferno na Terra
Outra consequência é que o usuário passa a não sentir prazer por outros aspectos da vida, como comida e sexo, explica o psiquiatra Celso Luís Cattani. Numa comparação simples, c. Essa falta de sensibilidade do sistema de recompensa gera uma insatisfação em relação à vida, distúrbio conhecido como anedonia. Na memória, sobra apenas a sensação de prazer gerada pela droga. Sem sentir prazer por nada, o usuário passa a viver em função da droga, ou fica mais propenso a recair no vício. "Se o diabo inventou um inferno na Terra, esse inferno é o crack”. Considerada a pior das drogas, a pedra tem feito um número cada vez maior de vítimas.
Sentença de morte
Toda vez que um viciado em crack acende seu cachimbo assina uma nova sentença de morte. Com o poder de escravizar às primeiras tragadas, a pedra arrasta o usuário à sarjeta em pouquíssimo tempo. A droga, que avança como uma praga, faz mais vítimas do que qualquer outra porque afunda o dependente numa degradação física e psicológica que o empurra ao crime para saciar o vício devastador.
Dramas
- Num Natal, meu filho conseguiu trocar por crack até o peru da nossa ceia. Toda noite eu tinha que colocar o botijão de gás no meu quarto senão meu filho vendia por pedra - conta a caxiense Everly de Jesus Rodrigues, 45 anos, mãe de um garoto de 18 anos morto a tiros em consequência do vício.
O drama que o crack leva para dentro das famílias não aparece nas estatísticas policiais, mas é gravíssimo. Nos últimos tempos, casos de mães que acorrentam seus filhos na tentativa de conter o vício têm aparecido com frequência na imprensa. Entretanto, a maioria das famílias silencia, por medo ou vergonha, enquanto dinheiro e objetos são levados de casa.
Afeto anestesiado
O usuário não se penaliza com barbaridades que comete com parentes ou desconhecidos, porque o crack anestesia o afeto - diz Maria Virgínia Agustini, coordenadora da política de saúde mental da Secretaria Municipal da Saúde de Caxias do Sul.
90% reincidem
Do total de usuários em tratamento, 35% abandonarão tudo no meio do caminho. Entre os que concluírem o processo, 90% vão recair na pedra. - O crack provoca muitas sequelas no organismo e é difícil conseguir algum resultado de longo prazo - revela o psiquiatra Celso Luís Cattani, especialista em dependência química.
Mãe relata a dor de ter perdido o filho para o vício do crack
“Hoje vivo um dia após o outro" diz Flávia Costa Hahn após a tragédia que se abateu sobre sua família. Duas horas e meia após depor na Delegacia de Homicídios e Desaparecidos, a representante comercial Flávia Costa Hahn, 60 anos, recebeu Zero Hora e Diário Gaúcho para falar sobre a tragédia que se abateu sobre sua família desde o domingo de Páscoa, quando empunhou o revólver que matou o único filho, Tobias Lee Manfred Hahn, viciado em crack.
Sentada na sala de sua casa de três pavimentos com piscina na região conhecida como Sétimo Céu, no bairro Tristeza, em Porto Alegre, ela relembrou durante uma hora momentos dramáticos da sua trajetória como mãe, com a ressalva de que não falaria sobre o dia da morte de Tobias. - Foi um acidente - repetiu, garantindo que foi ela a autora do tiro disparado de um revólver do marido Manfred Oto Hugo Hahn, 75 anos.
"A vida parece que parou. O centro das minhas atenções era meu filho. Por mais que me usava para comprar droga, eu estava sempre perto dele. A vida está vazia. Domingo passado era aniversário dele. Fomos ao cemitério, levei flores e rezei por ele. Vou a uma igreja espírita. O pior momento dessa tragédia foi ver o meu filho sem vida. Hoje vivo um dia após o outro."
"Um recado às mães: É preciso procurar toda a ajuda, como eu fazia. O crack é tão forte que, quando a pessoa consome muito, bloqueia todo o sistema nervoso. Então, a pessoa não é mais ela. Não se pode desistir nunca. Não tive sorte de salvar meu filho, mas pode ser que outras tenham. Na infância, acho que a mãe deve deixar de trabalhar e se dedicar absolutamente às famílias."
Flagelo também dos familiares
Famílias bem constituídas também estão sujeitas aos flagelos da droga. O crack não degrada apenas os usuários, atinge com fúria também familiares, que viram codependentes do vício. Da mesma maneira que relações problemáticas em casa podem motivar um refúgio nas drogas, famílias bem constituídas, que se imaginavam distantes dessa realidade, estão sujeitas aos flagelos da droga.Sob o domínio do crack, muitos viciados arrastam seus dramas para dentro de casa e acabam levando familiares a uma codependência emocional. Sentindo-se culpados, pais, mães e irmãos passam a aceitar ações violentas e a viver em permanente alerta, condicionando seu estado de espírito ao do usuário da droga. O superenvolvimento com a dependência mascara a visualização de soluções e, não raro, parentes se sujeitam a atos extremos, como acertar dívidas com traficantes, por medo da morte.
Como o vício se instala rápido, as famílias não têm tempo nem forças para digerir o problema e passam a agir por impulso, diz Maria Virgínia Agustini, coordenadora da política de saúde mental da Secretaria Municipal da Saúde de Caxias. Aceitar a situação é o primeiro desafio.
Depoimento comovente de um morador de Bom Jesus do Norte/ES
"Eu e minha família fomos atingidos brutalmente pelo crack. Vivemos diariamente aos sobressaltos por conta de um nosso querido familiar, que fraquejou. Até cerca de três anos atrás, quando essa maldição apareceu em Bom Jesus, ele era um jovem saudável, bem apessoado, trabalhador, amigo pra valer. A partir de então foi perdendo gradativamente a vontade de tudo, seu sorriso se apagou. Destrói-se a si próprio, o que acarreta para nós, seus parentes, e também aos seus amigos, uma angústia que é difícil expressar com exatidão a intensidade.
Vivemos em constante amargura, perguntando-nos se o dia de hoje materializará o pensamento no pior que nunca mais nos abandonou. Sua mãe, aposentada com salário-mínimo, tinha umas economias que acumulou penosamente desde muito tempo. E como todas as mães, é o elo que mais sofre. Ela pensa que só agora ele se envolveu nisso. Tanto que há alguns meses, lançou mão das economias e deu para o filho amado um presente de grande valor para seus humildes padrões. Ele não titubeou: pegou o bem e trocou pelas pedras infames, por menos de um terço do que custou.
Não aguento mais essa opressão, essa falta de perspectiva, essa desesperança. Às vezes tenho vontade de chorar, principalmente quando percebo que ele tem consciência de que sua aniquilação total é questão de pouco tempo. Como naquele filme O Exorcista, ele está possuído, mas algo dentro dele pede socorro. No momento ele está uns 10 dias sem consumir, a gente nota que está lutando com bravura, mas precisa desesperadamente de uma ajuda que não está disponível. A maldição está próxima, atraindo, tentando. É uma luta desigual!
Às autoridades de minha cidade, de meu estado, de meu país, pergunto: até quando nossos jovens vão continuar a morrer, a matar, a roubar, a se prostituir, a viver na mais completa indigência, na sarjeta da dignidade? Por que nenhuma voz se levanta, nenhuma de vocês nos dá um mínimo sinal de que pode haver um rasgo de esperança? Vocês não nos oferecem nada, não nos apontam nenhum caminho, agem como se tudo estivesse na mais completa normalidade. Mas não está não. Esse câncer social está fortificando seus tentáculos de forma gradual e com tal avidez e audácia, que em breve irá subverter todos os valores que regem o ser humano na sociedade.
Senhores: deem-nos uma chance. Rogo clemência para mim próprio, para o meu querido familiar acometido dessa doença amaldiçoada, para todos, enfim, que padecem do verdadeiro inferno em vida.
Autor: José Henrique Vaillant - Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br - Publicado em abril/2010