TEST

Drop Down MenusCSS Drop Down MenuPure CSS Dropdown Menu

19 de fev. de 2013

Anjos do lixo; ou, A faxina tem de ser árdua!


As cenas mostradas pela TV recentemente, onde pessoas disputavam os cereais enterrados nos monturos da favela revelam de forma nua e crua como a fome grassa neste país! 

Dia destes o 'espetáculo' transmitido no horário nobre eram crianças brasileiras alvoroçadas qual bandos de aves necrófagas disputando um espaço nos lixões de uma grande metrópole, a fim de calarem sua maldita fome.



Numa cidade do Agreste Pernambucano, as câmeras flagraram noutra ocasião uma mãe com os olhos nublados por uma névoa de desesperança e ao seu redor quatro ou cinco crianças esqueléticas, uma das quais um bebê a sugar um seio flácido e privado de quaisquer nutrientes; no fogão a lenha, uma panela com um ralo mingau de farinha de mandioca, o banquete daquele dia.

Essas e outras situações que degeneram a dignidade de um ser humano, e o faz igualar-se às espécies irracionais mais primitivas, deve ser motivo de urgentes reflexões com tomadas de atitudes práticas mais urgentes ainda por parte de toda a sociedade bem alimentada, das instituições religiosas, das entidades, dos governos. 

Ninguém poderá se omitir, nem mesmo a boa parcela de “Pôncios Pilatos” de todas as classes sociais - que não economizam água na lavagem das mãos -, por uma simples razão: não haverá, no futuro, uma sombra de organização institucional se não se começar a erradicar, hoje, a condição de miserabilidade de amanhã.

Corremos o risco de regredirmos ao homem de neandertal e já se veem as nuvens negras formarem-se no horizonte: presídios hiperabarrotados com rebeliões e fugas constantes, e a violência, de todas as formas imagináveis, marcar sua posição a ferro e fogo junto ao seio da sociedade e se banalizar como se fora uma atividade natural do homem.

O egoísmo que se generaliza de forma assustadora e se traduz na busca frenética do poder material, eleito como único valor a nortear o rumo de uma existência, está trazendo consequências desastrosas à qualidade de vida na Terra, já que as riquezas existentes são insuficientes para contemplar a todos dentro de uma estrutura desigual e injusta.

A ânsia desenfreada na busca ao vil metal, a ambição desmedida de poder, são legados perversos para as gerações vindouras pois se apartam inteiramente das noções mais básicas de solidariedade, comprometendo as instituições cidadãs do amanhã.

A classe política é, disparada, a maior culpada por uma criança ingerir lixo, submeter-se à mais servil escravidão ou prostituir-se desde os sete ou oito anos de idade para sobreviver. 

É difícil entender como o presidente do Brasil não tem a noção do ridículo ao posar de grande estadista junto às lideranças dos países mais desenvolvidos, daqueles que já perceberam que não é inteligente salvar banqueiros corados em detrimento dos pálidos pelas injustiças.

Incompreensível como falta a este personagem a noção de que em tudo há um limite, até mesmo a subserviência imposta pela ignorância e fome compulsórias, ignorando o risco iminente do bando de cordeiros transformar-se em selvagens enfurecidos, desencadeando um estouro de consequências imponderáveis.

As cenas originadas do desespero pela fome chocam! Ver-se nos lixões criaturas raquíticas, descalças, desgrenhadas, semidesnudas, rostos manchados pela mistura das excrescências nasais com uma espécie de resíduo betuminoso oriundo da decomposição do lixo, muitas ainda na mais tenra idade, em posição desvantajosa na caça febril de um material que lhes renda alguns trocados, ou de sobras de alimentos mais aproveitáveis para comerem, é demasiado forte à mais estéril sensibilidade.

E a revolta cresce em proporções planetárias quando se sabe que o dinheiro que poria fim a essa infâmia, com generoso troco, é surrupiado por robustos urubus de terno e gravata cujo valhacouto-mor fica no Planalto Central.

Exterminar sem dó nem piedade essas aves de rapina a sociedade dita mais esclarecida e mais politizada pode e deve fazê-lo. 

E aquela que de uma ou outra forma se nutre das sobras dos butins dos urubus-reis, é bom se aliar nessa conspiração contra a fome, se não por generosidade, pelo próprio instinto de sobrevivência, sob pena de um exílio forçado em suas fortalezas blindadas mais breve do que se imagina.

Que tal começarmos a faxina cívica em outubro próximo?

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em março/2002