Um preâmbulo: o
saudoso Paulo Francis disse há muito tempo, no programa televisivo
"Manhattan Connection", ser muito difícil alguém fazer um texto sem
usar a palavra "que". Então eu tentei, e consegui, com o texto
abaixo, suprimir tal partícula; menos por pedantismo e mais para fortalecer
minha argumentação de ser o diploma uma "partícula" também
dispensável a um bom texto (concedo-me isso, sem falsa modéstia). Claro, o
rapazinho diplomado citado abaixo também pode fazê-lo, embora ressalte haver
ironia nesta afirmação. Vamos lá.
Tive a oportunidade de ler o artigo do intelectual Delton de
Mattos defendendo a idéia de não ser necessário um diploma de curso superior
para alguém exercer a profissão de jornalista. Procurei por aqui eventuais
conceitos e opiniões contrários, e os encontrei num antigo jornal de Bom Jesus,
num texto intitulado "Jornalismo não é para aventureiros de
ocasião!", de autoria de um jovem bom-jesuense formado em Comunicação na
época. Ele expôs seu arrazoado, veemente até, na defesa apaixonada do ´canudo´.
Não poderia eu, entretanto, considerar-me plenamente
convencido de ser a proposição por ele defendida a mais lógica e racional, se
houvesse de me valer de ambas as opiniões, pois a do recém-formado só me
induziu uma certa frustração, certamente desapontado por ter cursado com as
dificuldades inerentes aos estudantes brasileiros uma faculdade durante quatro
longos anos para depois ousarem questionar a necessidade de tal curso para
exercer a profissão com competência.
Esta minha percepção originou-se do estilo indócil do seu
artigo, de conotação preconceituosa, autoritária e intolerante, a começar pelo
título antiético e revelador de censurável idiossincrasia ao inferir à maioria
dos seus colegas de profissão (sabidamente autodidatas) a pecha de
"aventureiros de ocasião".
Não concordo com a seguinte abstração do dramaturgo,
escritor e jornalista irlandês Bernard Shaw (por sinal um autodidata assumido):
"a juventude é valiosa demais para se desperdiçar com os jovens",
pois entendo os tropeços da juventude como necessários a um amadurecimento
gradual e ilimitado.
Quando o neófito jornalista menos esperar, a experiência
adquirida com o tempo não mais o permitirá cometer equívoco primário como esse
tipo de desagravo corporativista irracional e sectário, onde o afã de costurar
um libelo em favor da classe ´encanudada´, de maneira inconsistente,
estereotipada, e sem contribuir com nenhum fato ou ideia novos o levou a tentar
de forma confusa a traçar até mesmo um paralelo delirante entre a Medicina e o
Jornalismo, como neste fragmento de seu texto: "Como se poderá prever o
resultado de uma incisão se o cirurgião não possui qualificação
profissional"?
Uma analogia desproposital! Bisturi é ferramenta de trabalho
de jornalista? Não consta existir no currículo de nenhum curso de Comunicação a
dissecação de cadáveres - necessária ao aprendizado prático da ciência médica
-, até por ser impossível o acometimento de moléstias carnais numa pauta ou num
texto.
As 'gramaticais', sim, não se pode negar, pululam por aí
como nuvens de gafanhotos. (Aliás, de minha parte procuro espantar ao máximo
estes gafanhotos, mas, camonianos, eventualmente também me atingem. Quase
ninguém é infalível em se tratando da última flor do lácio, inculta e bela, não
é Bilac?).
Abomino toda discussão de caráter maniqueísta - cujo objetivo
é nutrir veleidades -, por não condizer com a democracia conquistada a duras
penas, pois esta pressupõe o debate abrangente a todas as correntes de opinião.
Discordo peremptoriamente de quem teve o privilégio de possuir o dom de
escrever e formar opiniões a fazê-lo de forma a transmitir exatamente o oposto
do seu dever, incitando a expansão das desigualdades e disseminando o culto ao
egocentrismo como valor maior.
É uma incongruência de quem vive da liberdade de expressão
intentar ações contra ela, como a elegia na defesa da limitação burocrática à
livre divulgação do exercício intelectual, fazendo-me lembrar da velha máxima:
"A ingratidão é uma das províncias mais povoadas da alma".
Carlito Maia foi um proeminente jornalista, publicitário,
escritor e por mais de 20 anos gerente de Comunicação Social da Rede Globo de
Televisão. Um autodidata pertinaz, a exemplo de Joel Silveira, este considerado
por Manuel Bandeira o mais destacado repórter da sua geração - cujos livros
foram profusamente elogiados por Mário de Andrade, Graciliano Ramos e Afrânio
Coutinho -.
Também existiram outros ´descanudados´ do porte de um Henrique
Maximiano Coelho Neto, célebre professor de Literatura e um dos fundadores da
Academia Brasileira de Letras; Humberto de Campos, escritor; o cachoeirense
Rubem Braga, mestre da crônica; o advogado Assis Chateaubriand, magnata da
imprensa, possuidor em determinada época de 34 jornais em 18 estados
brasileiros. E tantas e tantas outras mentes geniais a honrarem e dignificarem
a profissão de jornalista por este país afora, exercendo-a com a vocação e o
dom lustrados única e exclusivamente pela aptidão desenvolvida na escola da
vida.
Quando o rapaz disse, ostentando com acinte mental seu
diploma, tal como a espada de Dâmocles num trecho de seu infeliz artigo:
"é preciso valorizar, honrar e dignificar a profissão", só faltando
completar, "possuindo um diploma", com certeza só o fez por
desconhecer a trajetória profissional de muitos paradigmas autodidatas da
imprensa, como os citados acima, entre outros antigos ou contemporâneos.
Deixar-se arder pela fogueira das vaidades, colocando a
soberba individual à frente de um ideal coletivo é tremenda insensatez e não
condiz com o regimento basal dos princípios a nortear secularmente o autêntico
homem das letras.
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em julho/1999