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19 de fev. de 2013

Jornalismo não é trincheira da empáfia

Um preâmbulo: o saudoso Paulo Francis disse há muito tempo, acho que no programa televisivo "Manhattan Connection" ser muito difícil alguém fazer um texto sem usar a palavra "que". Então eu tentei, e consegui, com o texto abaixo, suprimir tal partícula; menos por pedantismo e mais para fortalecer minha argumentação de ser o diploma uma "partícula" também dispensável a um bom texto (concedo-me isso, sem falsa modéstia). Claro, o rapazinho diplomado citado abaixo também pode fazê-lo, embora ressalte haver ironia nesta afirmação. Vamos lá.

Um preâmbulo: o saudoso Paulo Francis disse há muito tempo, no programa televisivo "Manhattan Connection", ser muito difícil alguém fazer um texto sem usar a palavra "que". Então eu tentei, e consegui, com o texto abaixo, suprimir tal partícula; menos por pedantismo e mais para fortalecer minha argumentação de ser o diploma uma "partícula" também dispensável a um bom texto (concedo-me isso, sem falsa modéstia). Claro, o rapazinho diplomado citado abaixo também pode fazê-lo, embora ressalte haver ironia nesta afirmação. Vamos lá.

Tive a oportunidade de ler o artigo do intelectual Delton de Mattos defendendo a idéia de não ser necessário um diploma de curso superior para alguém exercer a profissão de jornalista. Procurei por aqui eventuais conceitos e opiniões contrários, e os encontrei num antigo jornal de Bom Jesus, num texto intitulado "Jornalismo não é para aventureiros de ocasião!", de autoria de um jovem bom-jesuense formado em Comunicação na época. Ele expôs seu arrazoado, veemente até, na defesa apaixonada do ´canudo´.

Não poderia eu, entretanto, considerar-me plenamente convencido de ser a proposição por ele defendida a mais lógica e racional, se houvesse de me valer de ambas as opiniões, pois a do recém-formado só me induziu uma certa frustração, certamente desapontado por ter cursado com as dificuldades inerentes aos estudantes brasileiros uma faculdade durante quatro longos anos para depois ousarem questionar a necessidade de tal curso para exercer a profissão com competência.

Esta minha percepção originou-se do estilo indócil do seu artigo, de conotação preconceituosa, autoritária e intolerante, a começar pelo título antiético e revelador de censurável idiossincrasia ao inferir à maioria dos seus colegas de profissão (sabidamente autodidatas) a pecha de "aventureiros de ocasião".

Não concordo com a seguinte abstração do dramaturgo, escritor e jornalista irlandês Bernard Shaw (por sinal um autodidata assumido): "a juventude é valiosa demais para se desperdiçar com os jovens", pois entendo os tropeços da juventude como necessários a um amadurecimento gradual e ilimitado.

Quando o neófito jornalista menos esperar, a experiência adquirida com o tempo não mais o permitirá cometer equívoco primário como esse tipo de desagravo corporativista irracional e sectário, onde o afã de costurar um libelo em favor da classe ´encanudada´, de maneira inconsistente, estereotipada, e sem contribuir com nenhum fato ou ideia novos o levou a tentar de forma confusa a traçar até mesmo um paralelo delirante entre a Medicina e o Jornalismo, como neste fragmento de seu texto: "Como se poderá prever o resultado de uma incisão se o cirurgião não possui qualificação profissional"?

Uma analogia desproposital! Bisturi é ferramenta de trabalho de jornalista? Não consta existir no currículo de nenhum curso de Comunicação a dissecação de cadáveres - necessária ao aprendizado prático da ciência médica -, até por ser impossível o acometimento de moléstias carnais numa pauta ou num texto. 

As 'gramaticais', sim, não se pode negar, pululam por aí como nuvens de gafanhotos. (Aliás, de minha parte procuro espantar ao máximo estes gafanhotos, mas, camonianos, eventualmente também me atingem. Quase ninguém é infalível em se tratando da última flor do lácio, inculta e bela, não é Bilac?).

Abomino toda discussão de caráter maniqueísta - cujo objetivo é nutrir veleidades -, por não condizer com a democracia conquistada a duras penas, pois esta pressupõe o debate abrangente a todas as correntes de opinião. Discordo peremptoriamente de quem teve o privilégio de possuir o dom de escrever e formar opiniões a fazê-lo de forma a transmitir exatamente o oposto do seu dever, incitando a expansão das desigualdades e disseminando o culto ao egocentrismo como valor maior.

É uma incongruência de quem vive da liberdade de expressão intentar ações contra ela, como a elegia na defesa da limitação burocrática à livre divulgação do exercício intelectual, fazendo-me lembrar da velha máxima: "A ingratidão é uma das províncias mais povoadas da alma".
Carlito Maia foi um proeminente jornalista, publicitário, escritor e por mais de 20 anos gerente de Comunicação Social da Rede Globo de Televisão. Um autodidata pertinaz, a exemplo de Joel Silveira, este considerado por Manuel Bandeira o mais destacado repórter da sua geração - cujos livros foram profusamente elogiados por Mário de Andrade, Graciliano Ramos e Afrânio Coutinho -.
Também existiram outros ´descanudados´ do porte de um Henrique Maximiano Coelho Neto, célebre professor de Literatura e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras; Humberto de Campos, escritor; o cachoeirense Rubem Braga, mestre da crônica; o advogado Assis Chateaubriand, magnata da imprensa, possuidor em determinada época de 34 jornais em 18 estados brasileiros. E tantas e tantas outras mentes geniais a honrarem e dignificarem a profissão de jornalista por este país afora, exercendo-a com a vocação e o dom lustrados única e exclusivamente pela aptidão desenvolvida na escola da vida.

Quando o rapaz disse, ostentando com acinte mental seu diploma, tal como a espada de Dâmocles num trecho de seu infeliz artigo: "é preciso valorizar, honrar e dignificar a profissão", só faltando completar, "possuindo um diploma", com certeza só o fez por desconhecer a trajetória profissional de muitos paradigmas autodidatas da imprensa, como os citados acima, entre outros antigos ou contemporâneos.

Deixar-se arder pela fogueira das vaidades, colocando a soberba individual à frente de um ideal coletivo é tremenda insensatez e não condiz com o regimento basal dos princípios a nortear secularmente o autêntico homem das letras.

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em julho/1999