O pai, estuporado, assombrado, desesperado; a mãe, convulsionada pela loucura. Ambos abstraem-se da realidade, maneira única e instintiva de preservação, creio mesmo, das próprias vidas. Ela, chorando toda sua dor e mágoa, misturando oração e uivos lancinantes; ele, suplicando a Deus, acreditando que Ele ressuscitará a filha amada.
Ao mesmo tempo amaldiçoa os políticos, e a balbúrdia de vocações aos céus, entremeadas com as pragas rogadas aos políticos infernais deste outrora sublime, ora nauseabundo Estado Brasileiro, é algo incrivelmente tocante, que decompõe as carrapetas mais resistentes para liberar um aluvião de lágrimas!
São cenas dantescas, chocantes, comoventes, de um dramatismo que o mais delirante autor ficcional é incapaz de produzir. Não há adjetivo nos dicionários que possam exprimir na plenitude o sentimento resultante da dor, misturada com raiva, com sede de vingança, com decepção, desesperança, fatalismo. Uma tragédia para além da exaltação criativa de Shakespeare!
Não tenho informações oficiais, tudo o que descobri foi lendo comentários de internautas sobre o episódio. Uma menina baiana que contrai o vírus da AIDS aos três anos de idade, em 1998, por um terrível erro do hospital que utilizou sangue contaminado numa transfusão; a sentença que condenou o hospital, mas o hospital que vem protelando o pagamento através de recursos, de firulas jurídicas interpostas numa Justiça lenta como cágado, culminando com a jovem morrendo sem ter visto a cor de um centavo sequer; e a própria morte da menina, que se tinha três anos em 1998, teria no máximo 18, isto é, na flor da idade. Sonhos, projetos de vida, tudo ruiu numa maca à espera de vaga numa UTI, que desgraçadamente não há porque... Não vou falar, não iria conseguir exprimir adequadamente o que penso!
Não estou aqui a defender governos, sejam que diabo forem, e na verdade gostaria que toda essa gente infernal, com plumas, com estrelas, à esquerda ou à direita, no centro ou nas diagonais fosse para o diabo que as carregue. Enquanto o cidadão e a cidadã brasileiros não exigirem uma ampla, profunda reforma política, pouco irá mudar, seja Zé, João ou Chico o monarca de plantão.
Mas raciocino com certa lógica, e ela aponta os responsáveis da hora a infelicitar mais os brasileiros, que desde 2003 (absolva-me, papa Francisco. Também dei um voto em 2002 àquele farsante nine fingers, embora já no início de 2003 percebi a grande cagada que fiz) só o que fazem é ganhar eleições e subir nos palanques; subir nos palanques, ganhar eleições, que este negócio de governar não tá com nada, é conservadorismo, e o governo é "pogressista"!
Marketing, dissolução dos bons costumes, mentira, empulhação, roubalheira, ludibrio da boa fé dos ignaros, a massa que os elege, é tudo o que fazem. Já nem digo educar o povo, porque é na ignorância que reside a galinha dos ovos de ouro dessa ralé. Mas ela, a ralé, é tão estúpida que vai matando até mesmo literalmente suas vítimas, vai roubando inclusive o bem mais precioso de um cidadão, de uma cidadã, que são os próprios filhos!
Falo de lógica e exemplifico: aqui em Bom Jesus mesmo, há cerca de 10, 11 anos, tínhamos três hospitais de boa qualidade (Hospital Jamile Said Salim, em Bom Jesus do Norte/ES; Casa de Saúde Aurora Avelino e Hospital São Vicente de Paulo, em Bom Jesus/RJ). Hoje, temos meio, a metade de um. E este só não capitulou definitivamente devido às boas almas que o mantém na base das doações, e demais abnegados que tentam a todo o custo impedi-lo de fenecer.
Falo do São Vicente, que sequer uma cirurgia de média complexidade pode realizar porque está com a UTI e o Banco de Sangue fechados há uns três ou quatro anos!
Leitor, leitora. Proponho-lhes lutar. Aproveitando o termo do momento, precisamos implementar uma "jornada" do esclarecimento. Com paciência e altas doses de didatismo, fazermos com que nossos conhecidos que tenham menor nível de informação entendam que estão alimentando o próprio verdugo.
Tentem ajudá-los a mudarem os conceitos, a firmarem novas convicções. Está claro que precisamos derrubar esse governo, mas não simplesmente colocarmos outro diferente no lugar e tudo bem. Esse outro terá de entrar temendo a massa, comprometendo-se a revolucionar o sistema, sob pena de os retirarmos antes da hora com uma barulheira infernal nas ruas, nas redes, nas instituições. Não dá mais, gente, suportarmos tanto escárnio!
Só quem é pai e mãe pode aferir, mesmo assim superficialmente, se não passou pela tragédia, quão dilacerante é a dor da perda de um filho na mais tenra idade!
"Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!..."
Somos os astros, as noites, as tempestades, os tufões que Castro Alves tão bem evocou!
Autor: José Henrique Vaillant