- O que o sr. está vendendo,
moço?
- Frases, senhorita. Cada uma por 1
Real.
- Frases?
- Isso. Frases. A senhorita
dá um tema e eu escrevo uma frase
sobre ele.
- Mas isso eu mesma
posso fazer.
Saiba que sempre tiro as melhores
notas em Redação na minha escola.
Uma frase sai em poucos segundos.
Por que eu gastaria 1 Real com a sua?
- As
suas podem ser até mais valorosas, mas por acaso vive
delas? Eu, sim; por isso, cobro.
A menina pensou um pouco e resolveu
colaborar.
- Está bem. Escreva aí sobre a minha futura sogra, que não larga do meu
pé.
- Risc., risc., risc... Aqui
está.
- O que é isso?
- A sogra de hoje foi a noiva de ontem. A noiva de hoje
será a sogra de amanhã. Cuidado com a lei de causa
e efeito.
- Lei de causa e
efeito?
- Reflita bem.
Nesta altura muitos curiosos se acercaram do vendedor de frases, e em pouco tempo
todos sabiam do que se tratava.
- Próximooô.
- Oi. Quero uma sobre meu marido, um bêbado inveterado.
- Risc., risc., risc...
- Não se
embriague de indignação. Mantenha-se sóbria de conceitos
negativos e terá lucidez para encontrar a maneira de
ajudá-lo.
- Outroooô. O senhor.
- Para mim mesmo, um velho
cansado e desiludido da vida.
- Risc., risc., risc...
- A desilusão é uma ferramenta criadora de anticorpos que
combatem o sentimento das perdas. E para descansar, o senhor terá a eternidade.
- Sua vez, madame.
- Sabe, seu fazedor de frases, minha cidade está tão
feia, tão abandonada... Faça uma frase com enfoque em
nossas autoridades.
- Risc., risc., risc... -
Se um político é relapso em suas coisas particulares e
também nas coisas públicas, ele é ao menos coerente no
desmazelo. A incoerência se dá
quando negligencia uma das duas. E quem pode acreditar numa pessoa incoerente?
- Quero uma frase
rapidinha porque tenho de chegar na lotérica antes que feche. Vou receber minha
bolsa família. Fale aí do nosso
maravilhoso presidente.
- O senhor me desculpe, mas acabou minha inspiração. Vou-me embora.
- Ora, mas que fraseador ridículo.
Seus três neurônios deram o
fora?
- Não faço frases intelectualmente falsas. Se vender ao senhor uma frase sincera, desagrada-lo-ei
certamente.
- Faça assim
mesmo.
- Só se for de outro, pode
ser?
- Serve.
- Risc., risc., risc... Aqui a tens. É do americano Adrian Rogers (1931/2005). Um
período composto:
- “É impossível levar o pobre à prosperidade através de legislações
que punem os ricos pela
prosperidade. Cada pessoa que recebe sem trabalhar, outra pessoa deve trabalhar
sem receber.
O governo não pode dar para alguém aquilo que não tira de outro
alguém. Quando metade da população entende a ideia de que não precisa trabalhar,
pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando esta outra metade
entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade,
então chegamos ao começo do fim de uma nação.
É impossível multiplicar riqueza
dividindo-a”.
- Puxa! Não entendi
nada.
- Reflita, senhor. Reflita
bastante.
- Moço, moço. Espere. A saideira.
- Sem saideiras.
- É que eu gostaria que o senhor fizesse uma
frase de si para si.
- Fiz muitas.
- Mas eu queria ver.
- Muito bem. Outro período
composto: risc., risc., risc... - Como é bom fazer frases
para quem gosta delas. Frases que
estimulam o pensamento, o raciocínio, embasam opiniões
próprias, que despertam ações e
emoções.
- Clap, clap, clap. Bravo! Esse é um
faz-frases realmente feliz com seu trabalho.
- Risc., risc., risc.... -
Nem tanto, cavalheiro, nem
tanto... Cada vez menos pessoas
sentem-se atraídas pelas frases. A maioria prefere visões e audições de efeito superficial,
instantâneo, que alienam
mais que instruem.
- Por isso mesmo
o senhor não deve desistir.
- Risc., risc., risc... -
Desistir, não desisto. Tivesse aprendido fazer outra
coisa..., quem sabe? Para sobreviver, este humilde fraseador sente-se obrigado
paradoxalmente a vender frases numa sociedade cuja maioria não lhes dá
valor.
Transformou-se num mercenário vendedor de frases!
Transformou-se num mercenário vendedor de frases!
- Pelo menos tem trabalho...
- Risc., risc., risc... - Por enquanto, por
enquanto. Meu trabalho é na seara da
liberdade, e não sei se ela sobreviverá por muito tempo. Nuvens ameaçadoras se formam no
horizonte...
- Credo. Que pessimismo!
- Risc., risc., risc... -
Sem frases...,
sem democracia, que sobrevive delas. E sem democracia..., vida infeliz, jornada inda mais
árdua e dura.
Reflita.
Reflita.
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em março/2010