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7 de mar. de 2013

Vendem-se frases. É necessário resistir à legião demoníaca que fomenta a ignorância


Encimando a pequena mesa no centro de uma das cidades desse querido Vale, uma placa toscamente manuscrita: Vendem-se frases.


- O que o sr. está vendendo, moço?

- Frases, senhorita. Cada uma por 1 Real.

- Frases?

- Isso. Frases. A senhorita dá um tema e eu escrevo uma frase sobre ele.


- Mas isso eu mesma posso fazer. Saiba que sempre tiro as melhores notas em Redação na minha escola. Uma frase sai em poucos segundos. Por que eu gastaria 1 Real com a sua?

- As suas podem ser até mais valorosas, mas por acaso vive delas? Eu, sim; por isso, cobro.

A menina pensou um pouco e resolveu colaborar.

- Está bem. Escreva aí sobre a minha futura sogra, que não larga do meu pé.

- Risc., risc., risc... Aqui está.

- O que é isso? - A sogra de hoje foi a noiva de ontem. A noiva de hoje será a sogra de amanhã. Cuidado com a lei de causa e efeito.

- Lei de causa e efeito?




- Reflita bem.

Nesta altura muitos curiosos se acercaram do vendedor de frases, e em pouco tempo todos sabiam do que se tratava.

- Próximooô.

- Oi. Quero uma sobre meu marido, um bêbado inveterado.

- Risc., risc., risc... - Não se embriague de indignação. Mantenha-se sóbria de conceitos negativos e terá lucidez para encontrar a maneira de ajudá-lo.

- Outroooô. O senhor. 

- Para mim mesmo, um velho cansado e desiludido da vida.

- Risc., risc., risc... - A desilusão é uma ferramenta criadora de anticorpos que combatem o sentimento das perdas. E para descansar, o senhor terá a eternidade.

- Sua vez, madame.

- Sabe, seu fazedor de frases, minha cidade está tão feia, tão abandonada... Faça uma frase com enfoque em nossas autoridades.

- Risc., risc., risc... - Se um político é relapso em suas coisas particulares e também nas coisas públicas, ele é ao menos coerente no desmazelo. A incoerência se dá quando negligencia uma das duas. E quem pode acreditar numa pessoa incoerente?

- Quero uma frase rapidinha porque tenho de chegar na lotérica antes que feche. Vou receber minha bolsa família. Fale aí do nosso maravilhoso presidente.

- O senhor me desculpe, mas acabou minha inspiração. Vou-me embora.

- Ora, mas que fraseador ridículo. Seus três neurônios deram o fora?

- Não faço frases intelectualmente falsas. Se vender ao senhor uma frase sincera, desagrada-lo-ei certamente.

- Faça assim mesmo.

- Só se for de outro, pode ser?

- Serve.

- Risc., risc., risc... Aqui a tens. É do americano Adrian Rogers (1931/2005). Um período composto:

“É impossível levar o pobre à prosperidade através de legislações que punem os ricos pela prosperidade. Cada pessoa que recebe sem trabalhar, outra pessoa deve trabalhar sem receber. 

O governo não pode dar para alguém aquilo que não tira de outro alguém. Quando metade da população entende a ideia de que não precisa trabalhar, pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando esta outra metade entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade, então chegamos ao começo do fim de uma nação. 

É impossível multiplicar riqueza dividindo-a”.

- Puxa! Não entendi nada.

- Reflita, senhor. Reflita bastante.

- Moço, moço. Espere. A saideira.

- Sem saideiras.

- É que eu gostaria que o senhor fizesse uma frase de si para si.

- Fiz muitas.

- Mas eu queria ver.

- Muito bem. Outro período composto: risc., risc., risc... - Como é bom fazer frases para quem gosta delas. Frases que estimulam o pensamento, o raciocínio, embasam opiniões próprias, que despertam ações e emoções.

- Clap, clap, clap. Bravo! Esse é um faz-frases realmente feliz com seu trabalho.

- Risc., risc., risc.... - Nem tanto, cavalheiro, nem tanto... Cada vez menos pessoas sentem-se atraídas pelas frases. A maioria prefere visões e audições de efeito superficial, instantâneo, que alienam mais que instruem.

- Por isso mesmo o senhor não deve desistir.

- Risc., risc., risc... - Desistir, não desisto. Tivesse aprendido fazer outra coisa..., quem sabe? Para sobreviver, este humilde fraseador sente-se obrigado paradoxalmente a vender frases numa sociedade cuja maioria não lhes dá valor. 

Transformou-se num mercenário vendedor de frases!

- Pelo menos tem trabalho...

- Risc., risc., risc... - Por enquanto, por enquanto. Meu trabalho é na seara da liberdade, e não sei se ela sobreviverá por muito tempo. Nuvens ameaçadoras se formam no horizonte...

- Credo. Que pessimismo!

- Risc., risc., risc... - Sem frases..., sem democracia, que sobrevive delas. E sem democracia..., vida infeliz, jornada inda mais árdua e dura. 

Reflita.

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em março/2010