TEST

Drop Down MenusCSS Drop Down MenuPure CSS Dropdown Menu

1 de fev. de 2017

Não é evolução dos peixes; é involução dos humanos. Hoje em dia, qualquer bagrinho que dá uma ferroada faz-se uma tragédia! E se fosse um candiru?, que entra no...

Um dos fatos marcantes em minha mocidade (primos e agregados em profusão) eram as pescarias homéricas que fazíamos no Rio Itabapoana e no Valão Barra Alegre, Bom Jesus do Norte/ES, nas regiões mais remotas desses cursos d´água. Pescarias mesmo, com P maiúsculo, bastando dizer que o Tio Deco é considerado um dos mais prolíficos pescadores da região – senão o maior.

E como gostava da nossa companhia! Ficávamos semanas, meses no mato, dormindo ao relento e quase sempre nos impondo uma dieta de peixe frito na fogueira com arroz cozido numa panela de alumínio, negra como o azeviche. Quando faltava o gênero de primeira necessidade – cigarro –, aí não tinha jeito: lá ia um de nós, de bicicleta, muitas vezes a pé, na sede do município vender uns piaus e uns bagres para comprar tabaco, aproveitando para voltar com uns pães e roupas limpas.

Era um vício a pescaria, semelhante ao do smartfone nas mãos dos adolescentes atuais. Boas, boníssimas recordações! Havia os mais incapazes, como eu, e os talentosos na arte de pescar, como o primo Flamarion que, depois, já com cerca de 25/30 anos sumiu do mapa e nunca soubemos se morreu ou se vive, muito embora a lógica elementar nos indique infelizmente o pior desfecho.

Pescávamos de dia, à tarde, à noite. Águas ainda ecologicamente aceitáveis, que serviam para beber (nem sempre fervida) e cozer. Anzois perdiam-se muito, mas sempre tentávamos e às vezes conseguíamos desenroscá-los quando ficavam presos no fundo, mergulhando principalmente quando no valão. Eram preciosos nem tanto pelo lado monetário, mas pela serventia do seu dever de ofício, que depois de um tempo o estoque atingia baixos níveis, alarmantes níveis.

À noite, bagres e mandis pululavam, e não raro levávamos ferroadas mil, principalmente na escuridão (lanternas eram artigos de luxo), unindo-se no mister de crueldade às picadas das furiosas muriçocas que voluteavam em nuvens ao redor de nossas orelhas num frenesi vampiresco impressionante. Quem ousava reclamar da dor levava uma reprimenda do tio Deco. – Sê né homem não, rapaz?

Que raiva especialmente dos mandis, que além de concorrerem à isca com peixes mais interessantes, às vezes chegavam nos dando uma dolorosa mostra da relutância em ir para a frigideira. E nem eram saborosos como o congênere lambari, que além de agradar mais o paladar não tinha o péssimo hábito de causar dor em seus comensais.

Todo esse preâmbulo, para que o amável leitor e a graciosa leitora tenham uma noção mais exata da cara de muxoxo que sempre faço quando alguém é espetado por um bagre na praia e causa rebuliço. Exceto as crianças, acho a maioria dos casos, com perdão do politicamente incorreto, uma frescura. Uma das vítimas contemporâneas chegou a dizer que a dor é igual à do parto. Dona Aurinha, minha mãe, católica fervorosa, que dos 10 pariu sete filhos ao natural ficaria horrorizada e preferiria ver o diabo em pessoa do que um bagre!

Gerações mais contemporâneas, que não tiveram de conviver com o idealismo dos fuzis e das metralhadoras estão meio fraquinhas, muito sensíveis, cheias de ai, ai, ai, não-me-toques. Que a espetada doi, doi, ora bolas. Mas não é necessário chamar Corpo de Bombeiros, paramédicos, processar a Marinha, evocar São Pedro. Não está havendo uma revolução dos peixes com ferrões em riste a atacar o bicho homem, tal como imaginou Hitchcock com seus pássaros.

A propósito, nem injeção contra tétano tomávamos, eis que a sábia Natureza armava seus entes com os anticorpos necessários à medida da exposição ao risco que ninguém hoje quer correr, tornando-se imunologicamente vulnerável, extremamente sensível. Como disse Guimarães Rosa, “Viver é perigoso” .

Fujamos dos bagres, dos mandis e demais traíras substantivas como eles, e das adjetivas também, possuidoras de dentes afiados.... Mas se acontecer, não é necessário tanto escândalo como se fora um candiru (pesquisem no Google), um peixe miudinho que povoa os rios amazônicos. Esse sim, é cruel. Sabem onde o bichinho entra? Sim, isso mesmo. Até para rimar, o candiru entra no...

E só sai com cirurgia!


Autor: José Henrique Vaillant - Publicado originalmente em abril/2016