Ah, ah, ah, ah, ah, sabe quem eu encontrei aqui em Calçado, Bonjesino?
- Quem, Calçadino?
- Aquele escrevedor mal-humorado que adora criticar nossas impolutas autoridades... Como é mesmo o nome dele?, huummm, humm, ah..., Zêinrique!
- Ih, Calçadino, ainda bem que ele é meio metido e não dá muito as caras pela cidade. Senão você ia ter de aturar aquele lenga-lenga todo dia. Buraco na rua..., trânsito ruim..., saúde, educação, cães vadios arrebentando sacolas de lixo... Ele é capaz de implicar até com o asfalto da via principal de Bom Jesus do Norte; reclamar das pedrinhas soltas nas ladeiras calçadenses e da catinguinha de esgoto que sai dos bueiros de Bom Jesus do Itabapoana. Ele é um exagerado, isso sim!
- Sei disso, primo. Hoje, por acaso, encontrei a figura no Restaurante da Bete... Sabe onde ele estava morando? Serra Pelada...
- Estava?
- Ficou só 15 dias numa casa alugada. Lembra daquele chuvão no final de fevereiro? Ah, ah, ah... Nem te conto, Bonjesino, nem te conto...
- Fala aê, primo.
- Ah, ah, ah, quá, quá, quá, ai. Não estou aguentando de tanto rir...
- Fala, homem de Deus.
- Tava lá o homem no teclado escrevendo aquelas porcarias de sempre, quando bem em cima da papelada cai uma verdadeira tromba d´água...
- Dentro de casa?
- Kkkkkkkkkkkkkk. Imagina o susto! Segundo ele, se não tivesse gravado no smartfone a cascata de água, ninguém ia acreditar. Bonjesino, você precisava ver. Um dilúvio! Ah, ah, ah. Parecia que alguém fez de propósito um desvio na calha, passando ela para o lado de dentro..., ah, ah, ah... Milhões de metros cúbicos por segundo, talvez bilhões ou trilhões... bem em cima da mesa. Só teve tempo de salvar o computador, por instinto. Na cozinha, também... Nos bicos de luz... O globo da lâmpada encheu de água e..., zás, se espatifou em pedacinhos..., ah, ah, ah... Bem feito! Tomou, papudo?
- ???!!! Ah, ah, ah, ah, ui, ui, quiá, quiá, quiá. Pera aí, Calçadino, me deu dor de barriga..., ah, ah, ah... - Só 15 dias? E pra onde ele foi?
- Divineia.
-Coitado... Mas mudando de pau pra cavaco, Calçadino. Tirando aquela mania de criticar Deus e o mundo, até que o Chefia é gente boa... Eu gosto de conversar com ele...
- Também gosto. Mas que ele é enjoado... Imagina que a dona da casa mandou consertar o telhado e mesmo assim ele não quis ficar...
- Com medo de mais água?
- Isso. Mas não da chuva. É que a dona não quis trocar as duas caixas de amianto... Aí ele ficou com medinho de pegar câncer...
- Carece não, né Calçadino? Ele já tá prá lá de Marrakesh, dobrou o Cabo da Boa Esperança faz tempo...
- Depois de velho ficou ainda mais implicante, Bonjesino. Você sabe que ele adora Calçado. Mas imagina com o quê ele tá encafifado agora?
- Que devia haver só descidas na cidade, e não tanta subida a prejudicar aquele esqueleto com mais de 60 que já pode andar de graça nos busus?
- Com os nomes dos bairros, Bonjesino. Nomes dos bairros! Cismou com Biquinha, Vala... Carrapato, então..., - quase enfarta! - Serra Pelada, Panelão... E Buraco Quente? Ficou possesso: - Não pode, não pode - berrou. - Uma cidade tão bonita como essa, que inspira e transpira cultura, com nomes de bairros tão exóticos, para dizer o mínimo?
- Você não explicou que alguns deles são apelidos que pegaram ao longo do tempo, Calçadino?
- Falei, primo, falei. Mesmo assim ele continuou amuado.
Bem. Esse papo aí quem me contou foi Apiaquino, o primo de Bonjesino e Calçadino, que completa a tríade puxassaquista destas bandas. Para eles, os políticos da região são a quitessência de todos os semelhantes e similares mundiais. Em nível nacional, há um verdadeiro santo: Lula.
Aliás, Bonjesino, o mais fervoroso e escandaloso dos três ciclopes penitencia-se numa mesura exagerada, as faces contritas, disparando seu vozeirão cheio de perdigotos em direção a mim sempre que se menciona Lula. Olhos marejados num misto de emoção ao evocar o ex-presidente, e revolta para comigo dirigem-se aos céus:
- Santo. Milagreiro! Meus 100 real que recebo de bolsa família todo mês, reli-gio-sa-mente (escande bem as sílabas)..., hein?, hein? Se não fosse ele... -, abusa do hein, quase enlouquecido de emoção.
Ah. Eles tagarelavam por intermédio dos respectivos telefones celulares falando de mim. Essas benditas maquininhas oriundas das privatizações que o petismo era radicalmente contra, só não chegando às vias de fato na defesa ruidosa do jurássico setor de telecomunicações à época das infaustas Telestes e Telerjes porque talvez, do lado do bem, o mocinho era um tal de Serjão, o parrudo ministro das Comunicações naquele governo tucano de FHC.
Que saudade do Serjão! Seria tão útil hoje em dia..., se é que me entendem os viúvos e as viúvas da atual oposicinha pixuleca.
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado originalmente em março/2016