Qual a probabilidade de um irmão de presidente da República (Pedro Collor) denunciar publicamente a quadrilha que o assessorava?
Qual a probabilidade de um graduado funcionário do Congresso (José Carlos Alves) ser preso, acusado de mandante do assassinato da própria mulher, e para livrar-se da responsabilidade, denunciar os anões robustos e corados do Orçamento?
Qual a probabilidade de se gravar conversas comprometedoras de parlamentares à venda e arrematados em liquidação da hora?
Qual a probabilidade de um prédio (Edifício Palace II) de 176 apartamentos ruir como um castelo de cartas, sepultando pessoas, objetos, sonhos?
E no entanto acontecem, desvendando de per si os mistérios estarrecedores da parte putrefata do poder, possibilitando uma analise ainda mais cruenta:
Se estes raros acontecimentos trazem à baila tantas maracutaias, tantas falcatruas, tanta ladroagem, o que dizer da face oculta, já que nem todo dia aparecem irmãos com egos feridos, gravadores e grampos eficientes e edifícios se autoimplodindo?
O Sr. Sérgio Naya, exemplo desse naipe, com sua im(p)unidade aviltante segue célere pelos labirintos do poder à margem da lei e da ética, subornando, corrompendo e construindo prédios descartáveis mas omitindo, com perversidade, o seu prazo de validade.
Não há muito o que dizer do episódio do edifício Palace II. Nosso rico e vasto idioma não oferece adjetivos superlativos para exprimir a real dimensão da nossa revolta e indignação com esse estado de coisas, principalmente quando recordamos que nosso destino é delineado por muitos dessa estirpe, que se dão a onipotência de decidir sobre a vida e a morte, às vezes no sentido literal!
Deste trágico episódio tira-se outra melancólica constatação: sem os manos delatores, gravadores ocultos, mulheres em holocausto ou prédios desabando, ficam indisponíveis outros capítulos da novela subliterata "O jogo do poder", cujo enredo inspira demais literatices macabras - porém reais, como este último episódio de "Sangue e areia".
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em março/1998