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1 de mar. de 2013

Vim morar em Bom Jesus, fugindo das ´cabadas´ de vassoura

Sequência extraída do acervo pessoal. Filmagem em VHS
Mônica pula e Luciano leva os dedos ao rosto em sinal de preocupação. Em seguida, ele
mostra a ela o perigo de novas “cabadas” de vassoura. A expressão da pequena fala por si
É comum ver pessoas desistindo de viver em cidades grandes na tentativa de buscar tranquilidade em lugares interioranos. Sou um dos que trocaram possibilidade de trabalho mais compensador financeiramente por uma vida contemplativa, menos estressante, que só cidades pequenas possibilitavam. 


Digo possibilitavam porque isso está se tornando relativo, ao menos em relação às Bom Jesus que, diferentemente de lugares onde há um mínimo de planejamento, por aqui o crescimento é desordenado, um tanto bagunçado, e a vida já não é sossegada. 

Sem a compensação de uma rica e vasta estrutura de ofertas de produtos e serviços, de uma gama  maior e mais variada de oportunidades, ficamos só com o tráfego que começa a congestionar;


Com a falta de vagas de estacionamento; com a tensão do aglomerado de veículos e de gente; com o ajuntamento a cada dia mais estreito das moradias e o inevitável conflito ante a miríade de variações dos comportamentos humanos (alguns tão incompatíveis entre si como cebola em salada de frutas);


Com a carência de serviços básicos como a Saúde e a Segurança, incapazes de ofertar seus préstimos no mesmo ritmo do crescimento populacional e, consequentemente, das demandas.


Um fato que ajudou a amadurecer a ideia de abandonarmos tudo e virmos para o interior se deu em dezembro de 1986.

Comemorávamos o aniversário de 4 anos da nossa filha Mônica, no apartamento em que morávamos no Rio Comprido, Rio de Janeiro. 

Na euforia do momento, Mônica ensaiou um sapateado no sinteco da sala, o que despertou uma reação incontinenti e quase desvairada do mais velho, Luciano, então com 7 anos (o outro, Júnior, tinha na época 5), que advertiu-a rudemente em seu engraçado linguajar infantil, arrancando gargalhadas dos presentes: 

- Não pode pular porque o Péricles vai bater com a vassoura... 

Então uma Moniquinha atemorizada, olhos arregalados para o irmão, se conteve, reprimiu a vontade de manifestar toda a alegria e contentamento.


Péricles era o vizinho do apartamento de baixo, que vivia injuriado com o barulho que três crianças faziam ao andar, correr, brincar..., viver, enfim. 


O homem, de maus bofes, não se conformava com o mínimo rumor dos petizes. 


Qualquer ruído ele dava uma “cabada” de vassoura no próprio teto para reverberar sua indignação em nosso piso. 

E aquela reação do Luciano, seu semblante infantil num ricto de temor foi mais um componente para que a família decidisse radicalizar, dar uma guinada vertiginosa. 


A neurastenia que já contaminava uma criança de 7 anos era o reflexo do mau negócio que a humanidade fez em nome do progresso, era decorrente da vida em uma cidade grande com toda a sorte de impedimentos e limitações que acarretava. 


Tamanha preocupação num guri em tenra idade era... preocupante! 


Por assim dizer, era mais espantosa que a puerilidade sistêmica em um velho.

Chego aqui ao ponto: a troca revelou-se satisfatória, sobretudo em relação às crianças, que viveram em Bom Jesus uma infância mais amena, menos perigosa, justificando a renúncia que nos impusemos. 


Mas hoje certamente não faríamos igual; a relação custo/benefício seria infundada. 


Nosso lugar tornou-se também inseguro, o relacionamento entre as pessoas se deteriorou, os espaços públicos estão uma desordem, o poder não encontra líderes que planejem suas cidades um palmo à frente dos narizes, quase tudo é feito de forma amadorística, a improvisação e o imediatismo imperam. 

Aqui não há regras para a construção de imóveis (parece que poucos sabem a largura que deve ter uma calçada, por exemplo), as cias. de abastecimento d´água e de saneamento esburacam as ruas, seus funcionários cavam às cegas sem terem sequer um mapa das tubulações, deixando as vias em petição de miséria. 


Trafegar a pé ou em veículos por nossas ruas que, permitam-me, estão se tornando ridículas, é a cada dia mais tormentoso e perigoso. 


Nossos representantes políticos parecem destituídos de idealismo, de capacidade, de vontade. 

Estão, como de resto boa parcela de seus congêneres, contaminados pela doença d´alma de nome dissimulação, viciados em muito prometer e pouco cumprir, aprisionados nos grilhões da indolência ou incúria que lhes deixam como herança maldita a pouca disposição real para muita vontade fictícia. 


Se suas excelências não romperem a inércia administrativa que nos atormenta há décadas, as Bom Jesus transformar-se-ão em lugares tão ruins de viver quanto as  periferias turbulentas das grandes metrópoles.


Não sei porque tenho olhado tão regularmente, e com tanto interesse, para aquele pedacinho de Mata Atlântica... 


Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em novembro/2010