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30 de mar. de 2013

O ovo da serpente

A programação da nossa TV aberta, acessível a todos e que adentra os lares brasileiros do Oiapoque ao Chuí, dos Pampas aos Seringais, sem a mínima cerimônia, em grande proporção é deprimente e desperta indignação.

Impressionante até que ponto pode chegar o ser humano na busca por lucros e um pontinho a mais no IBOPE, que massageia egos engordando contas bancárias, ainda que através da destruição da dignidade e senso do ridículo.




O tal do “zero-novecentos”, por exemplo, é uma heresia. Quase na totalidade oferecendo “serviços”, é uma armadilha para os incautos, pois ao contrário de mercadorias não se pode devolver mensagens eróticas, piadas, conselhos de videntes e demais pantomimas criadas com o fito de explorar a boa-fé das pessoas. Não pagou, bloqueia-se a linha telefônica.


Os programas que oferecem prêmios nunca se deram tão bem. Usam e abusam da desgraça social para vender sonhos, onde um automóvel reluzente ou uma bolada de dinheiro tornam-se atrativos irresistíveis aos olhos dos miseráveis, e a mensagem insidiosa, agressiva, verdadeira lavagem cerebral, consegue transformar probabilidades remotíssimas de acerto numa certeza estonteante do ganho.

Na telinha, a alienação é garantida. Desde as crianças que aprendem ainda muito cedo a venerar e a consumir produtos das loiras e morenas, até as ratazanas pançudas que vendiam “churrasco de gato” e agora sobrevivem das baixarias escatológicas e insólitas oriundas da podridão humana, amealhando pela via do mais explícito servilismo alguns milhares de dinheiros para si e seu bispo-patrão. 

A propósito, esse bispo vai indo muito bem na exploração da fé mesclada com ignorância. 

Qual um bólido, leva de roldão para seus templos a multidão desesperançada e cética com a triste realidade, em busca dos milagres que acreditam possível  com o correr das sacolinhas. Até na Terra do Sol Nascente já marcou presença, e uns poucos japoneses, após se virem aliviados de alguns Yens, já afirmam: “Clisto salva, nô?”

A busca pela audiência a qualquer preço não respeita bom-senso, moral ou ética. Apela-se para tudo, do real ao imaginário na busca ao telespectador. 

Invadem a privacidade das pessoas e inventam mirabolantes situações para colocarem-nas em ridículo. 

Ridículo, por sinal, o que parece ser a nova modalidade dos programas dominicais de auditório, onde elegeram a emoção barata e às vezes forçada como atração principal. 

Neste último domingo das Mães, para ilustrar, um mar de lágrimas por diferentes motivações inundaram os palcos.

Difícil conter a emoção e impossível mudar de canal ao contemplar a loira mais celebrizada (e quiçá mais rica) do Brasil verter uma aguinha por mais uma das milhares de manifestações de tietagem por sua nascitura, que antes de conhecer a hipocrisia deste mundo já é mais paparicada que o Menino Salvador da humanidade. 

Impossível não ter um nó na garganta, esquecendo totalmente o controle remoto, ao reparar os olhos marejados de um famoso jogador do futebol paulista contemplando as rugas prematuras e a fisionomia sofrida e cansada de sua genitora. 

E os animadores, contritos, numa de bons samaritanos e impressionantemente bem articulados, quase conseguem convencer a todos da sinceridade com que se solidarizam com o drama das pessoas, e não apenas ritmados aos próprios corações em descompasso pelos piques de audiência. 

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em maio/1998