TEST

Drop Down MenusCSS Drop Down MenuPure CSS Dropdown Menu

15 de mar. de 2013

Qui-lo mas não fi-lo

A esperança venceu o medo! Esta frase de enorme efeito criada pelo suprassumo das eminências marqueteiras no ápice da euforia pela vitória de Lula em 2002, incensada por uma romântica constelação de lágrimas, parecia a princípio ser o maior e mais espetacular simbolismo de catarse coletiva.

Era supostamente a tradução em três simples palavrinhas, como simples era seu inspirador, da opressão de um povo que enfim se livrava do que parecia ser uma inexpugnável barreira de infâmia bem concatenada em décadas e décadas de tirania econômica e de exploração de uma imensa quantidade de seres humanos por uns poucos gêneros de sua própria espécie.



As lágrimas de há muito já secaram, no entanto. A realidade nua e crua torna forte e incômodo como o vento do deserto o sentimento de prostração que, seguindo um traçado perverso, dá sinais tenebrosos da condução ao conformismo e à resignação pacífica e autômata.



A frase era então mentirosa, equivocada, exagerada? Não. Era natural, autêntica, mas (aí é que reside toda a engenhosidade diabólica) não era direcionada ao povão sofrido e angustiado, deduz-se hoje.



Este, no paroxismo da sedução como um coelho ante a serpente, em frenesi nas ruas e defronte às telas da TV em atitudes vigorosas de ufanismo, não percebeu o ardil de estar legitimando involuntariamente um bem concebido plano que visava retemperar seu próprio tormento.


A esperança vencera o medo, sim, das oligarquias, dos banqueiros, dos especuladores. 

Estes, com a capacidade camaleônica do mimetismo, da dissimulação, perceberam que a representatividade de Lula seria mais útil para eles do que o tucano de bico trincado que ousou arremeter-se contra organizações corporativas multinacionais, como as que produzem remédios e que se julgavam senhoras do destino inclusive de aidéticos.

Engana-se quem pensar que as lideranças petistas forjaram um belo plano de governo sem a aquiescência das elites, que encontraram espaço para protagonizarem papeis principais na política nacional sem um conteúdo bem amarrado, bem definido, mas sobretudo bem aceito pelas oligarquias.


A continuidade ainda mais insinuante daquilo que o PT combatia de modo apoplético quando nas trincheiras oposicionistas é resultante da perspicácia das raposas, que percebendo a intempérie gradual do terreiro botaram uma barbicha e se travestiram de gatinhos para ganharem o pleito do livre trânsito entre as presas.


Bom Jesus do Norte e São José do Calçado, entre inúmeros municípios brasileiros, conservam os esqueletos daquilo que seriam casas populares, cujos recursos foram intempestivamente brecados pelo governo do PT antes de sua conclusão.


Elas ilustram, apresentam um quadro em miniatura da estagnação do Brasil em todos os setores. O salário-mínimo, que seria triplicado, os 10 milhões de empregos, que seriam criados, e outras falsidades mais, acredita-se não terem sido premeditadas pelo brasileiro, pelo homem, pelo calejado e sofrido nordestino Lula. 


Ele, enquanto "povão", também foi, por assim dizer, vítima do maquiavelismo das entidades indestrutíveis. 


Mas passa da hora dele se aperceber disso, e como Jânio Quadros, mas com motivos evidentes e justos, dar adeus às forças ocultas como forma de preservar a própria dignidade antes de se tomar um fiasco histórico, pois não há solução para miséria e fome sem a destruição de monopólios e privilégios, sem abalar as estruturas da elite sacrossanta.

Qui-lo mas não fi-lo seria atá menos traumático com o consolo daquele líquido inolvidável para muitos, que come-lo-iam se se fosse sólido.


Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em junho/2004