TEST

Drop Down MenusCSS Drop Down MenuPure CSS Dropdown Menu

31 de jan. de 2017

Sexagenário, enfim. Preferência nos atendimentos é uma pequena desforra à gente nova nas filas

Se é que lhes interessem, amável leitor, graciosa leitora, fiz 60! E com exceção de um achaque aqui, outro ali, estou, como dizia o inesquecível João Ubaldo Ribeiro, “velhinho em folha”.

Não sei vocês, velhinho/velhinha, que me leem, mas venho estudando com atenção o nosso Estatuto, sancionado em outubro de 2003. Estou maravilhado com o que tenho descoberto! Direito a usufruirmos de unidades geriátricas de referência (de re-fe-rên-ci-a, encham a boca ao pronunciar), com pessoal especializado nas áreas de geriatria e gerontologia social, por exemplo. Está lá, no artigo III, do Cap. IV.
 


Hein? Nós aqui em Bom Jesus, numa unidade de re-fe-rên-ci-a, sendo atendidos por gente es-pe-ci-a-lís-si-ma? Só falta não reconhecermos a generosidade do parágrafo 3º, Art. V: “É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”.

Tão emocionante, que me leva até às lágrimas..., snif, snif.

O Cap. V, que trata da Educação, Cultura, Esporte e Lazer dá um banho nesses paisinhos mixurucas tipo Dinamarca, Noruega, Suíça e outros que tais. Vejam isto, cidadãos ingratos, maledicentes: “Os idosos participarão das comemorações de caráter cívico ou cultural, para transmissão de conhecimentos e vivências às demais gerações, no sentido da preservação da memória e da identidade culturais”.

Gostei especialmente da “transmissão de conhecimentos e vivências”, que quer dizer que prestamos para alguma coisa, muito embora não seja essa a percepção, eu diria, da maioria das pessoas jovens que nos tratam, umas com arrogância, outras com aquele infantilismo crônico e emburrecido que pespegava os pimpolhos das priscas eras que bem longe vão.

Me disseram por alto que nosso Estatuto é tão progressista que até constaria cláusula de adoção, mas infelizmente não achei. Como já escrevi aqui, aos 50 já sonhava com a possibilidade futura de ser adotado, tal como se fazem com as crianças, imaginando-me num lugar, tipo internato, à espera de um casal simpático (de preferência rico), em polvorosa junto a outros velhinhos, roendo as unhas pela ansiedade em descobrir qual de nós seria o felizardo.

- Aquele ali, branquinho, baixinho e barrigudinho, que gracinha!, diria a esposa maravilhada ao marido apático, referindo-se a mim. E eu, como se as artrites e artroses fossem tônicos musculares, sairia correndo feito um desesperado, dando pulos de alegria ante a visão de expectativas maravilhosas, de brinquedos sensacionais, talvez até um aparelho de surdez com 8 gigas de ram e HD de 1 tera.

Justiça se faça ao atendimento preferencial nos bancos, que funciona (sem ironia, acredite). Dia destes até me surpreendi ao pegar uma senha para atendimento no Banco do Brasil de São José do Calçado. Havia umas 20 pessoas aguardando, razão pela qual calculei que mesmo com a prerrogativa da preferência, teria de aguardar alguns minutos. Saquei meu smartfone, e nem bem reiniciei a leitura de “Padre Cícero”, do escritor Lira Neto, a musiquinha no painel anunciou meu número. 

 
Levantei-me e passeei os olhos por cima das cabeças esperantes com um pequeno frêmito de desagravo por quantos ali nem se dão ao trabalho de pensar sobre a verdadeira bênção que é poder envelhecer.
 


Autor: José Henrique Vaillant - Publicado originalmente em outubro/2014