Residente na mesma rua em que eu morava em Volta Redonda/RJ. Nenhuma abstração era capaz de ofuscá-la no pensamento. Último rosto do dia moldado pelas sinapses ao dormir; primeiro, ao acordar.
No ônibus, em casa, “na rua, na chuva, na fazenda”, no trabalho, na escola... Ela! Papo com os amigos, assunto único, que entediava a eles tanto quanto me incendiava a loquacidade. Encantamento, fascínio!
Um
Ford Corcel GT conversível, sonho de
bem material tão impossível
quanto a
materialização do sonho de um
amor
continuado.
Imaginando-a
ao meu lado com as
madeixas
ao vento, aqueles
cabelos
lindíssimos,
fartos,
compridos,
bem cuidados,
negros
como a asa da Graúna, Alencar!!!, emoldurando uma face morena,
meiga, angelical, olhos vivazes, sonhadores.
Uns
10 meses depois, o dia aterrador. -Tchau, José Henrique, acabou
-, foi
a sentença cruel, dilacerante,
pronunciada de chofre, menos
por crueldade que pelo pragmatismo e objetividade da inocência, que
desconhece
meias palavras, falsidade, dissimulação.
Fui
à escola, à noite, como
sempre, também naquele dia inolvidável.
Tudo tão horrivelmente diferente naquelas ruas, naquele bairro,
naquela escola, naquela terra agora inóspita, absurdamente descolorida,
incrivelmente solitária!
Na
sala de aula, nada eu
distinguia
daquela algaravia patética, produzida
por
bocas
patéticas,
de
colegas trajados
com patéticas camisas
apertadas, as calças patéticas de bocas largas, eles achando interessante tudo o que era patético.
Parafraseando
Nabokov, os eflúvios de equilíbrio, conformação, grandeza,
otimismo, fé, esperança eram por demais tênues para que pudessem
distinguir-se da imaginação de um louco!
Levanto
os olhos casualmente. Então a lousa começou a me sussurrar com
ternura, com indizível carinho:
Chora
de manso e no íntimo... procura,
curtir sem queixa o mal que te crucia:
o mundo é sem piedade, e até riria
da tua inconsolável amargura.
Só a dor enobrece, e é grande, e é pura.
Aprende a amá-la, que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
e será, ela só, tua ventura...
A vida é vã como a sombra que passa...
sofre sereno e de alma sobranceira,
sem um grito sequer, tua desgraça.
Encerra em ti tua tristeza inteira.
E peça humildemente a Deus que a faça
tua doce e constante companheira...
curtir sem queixa o mal que te crucia:
o mundo é sem piedade, e até riria
da tua inconsolável amargura.
Só a dor enobrece, e é grande, e é pura.
Aprende a amá-la, que a amarás um dia.
Então ela será tua alegria,
e será, ela só, tua ventura...
A vida é vã como a sombra que passa...
sofre sereno e de alma sobranceira,
sem um grito sequer, tua desgraça.
Encerra em ti tua tristeza inteira.
E peça humildemente a Deus que a faça
tua doce e constante companheira...
“Renúncia”,
soneto de Manuel Bandeira. Anotei-o,
decorei-o,
lustrei cada letra, cada sílaba, cada palavra com o
esmero
de um joalheiro tratando suas pedras.
A
professora o
havia transcrito
para
aquela aula de Português, mas sei que
com
exclusividade para mim, inspirada
por um anjo.
As
palavras do magistral poeta foram um bálsamo, um potente anestésico
na psique. Amar a dor, transformá-la em alegria, sofrer sem
gritar..., que sacada! E ainda um rabo de papel no traseiro do mundo
impiedoso, a ridicularizá-lo... Genial!
Salvou-me
a poesia! Daí, amasiei-me
com elas, em especial com os sonetos, que Guilherme de Almeida disse ser a
“fôrma da perfeita forma” e “quatorze degraus da perfeição”. Genérica, de larga amplitude, é uma panaceia!
Encerro
Pode ser
que este texto seja objeto de
alguma troça, umas caras de paisagem, semblantes
irônicos, risinhos
sarcásticos, sobrancelhas em
trêmulas volutas até os topos de crânios calvos.
Mas
inclusive a estes, mais que dar-lhes a conhecer uma quadra de vida
juvenil, desejo afirmar-lhes minha convicção, plenamente
de acordo com Schopenhauer, que escreveu:
“Quem
deseja, sofre; quem vive, deseja; a vida é dor. Quanto mais elevado
é o espírito do homem, mais sofre. A vida não é mais do que uma
luta pela existência, com a certeza de sermos vencidos. A vida é
uma história da dor”.
E a poesia
fortalece o espírito para essa que é inexorável na vida de todos
nós, sejam as físicas ou as da alma!
Autor: José Henrique Vaillant