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26 de mai. de 2013

Descoberto um socialista autêntico. Convoquem-se cientistas políticos, sociólogos, antropólogos; o fenômeno é raro!


Um velho atarracado, cabelos brancos, bigode espesso, sobrancelhas hirsutas, barriga saliente, estava num brechó no centro de Montevidéu, capital do Uruguai, dia destes, manuseando umas camisas usadas para comprar.No outro lado da loja um homem de cerca de 50 o olhava atentamente. O homem já vinha observando-o há tempos, pois notava alguma coisa diferente nele, não entendia o quê, propriamente, coisa meio surreal, um tanto mística.

Desde aquele dia na feira, onde o velho comprara três ovos e 250 gramas de bife (- adoro bife a cavalo -, comentou com o feirante), percebia que muito embora as vestes rotas, perigosamente rondando a fronteira da maltrapilha, cabelos em desalinho, um surrado par de tênis Adidas “paraguaio” com calcanhares perpendiculares, aquele cidadão, positivamente, era possuidor de algo que o distinguia, que o isentava da banalidade.

Intrigado, tinha a sensação de já tê-lo visto na TV, e esta sensação se fez mais nítida quando, numa outra oportunidade em que o seguia, viu e ouviu o velho ponderar com o atendente, no balcão de penhores:

- Só isso, meu filho?

- Seu anel é folheado, senhor.

- É porque nunca me ufano do brilho dos objetos, valorizo apenas seu ofício...

O homem, que já estava obcecado em decifrar o velho, seguiu-o quando este saiu do estabelecimento de crédito. Quanto ele entrou no ônibus, até pensou desistir de ir também, pois o coletivo estava lotado demais. Mas a curiosidade de saber onde aquela figura morava falou mais alto.

Chegando num subúrbio bem remoto, desceram. Começaram a andar, o velho na frente, ele atrás, discretamente, guardando certa distância.

Seguiram por uma ruela de terra batida, ladeada de casebres. Após uns 10 minutos de caminhar, o velho entrou numa casinha humilde, cujas paredes já nem se lembravam dos dias de glória com a cal.

O homem ficou à distância uns 15 minutos mais. Depois, pretextando sede, pediu água. Recebeu permissão para entrar, transpôs o portão de madeira e fechou-o com a taramela, aguardando numa varandinha de piso de cimento liso, todo esboroado.

Quando o velho voltou com uma moringa de barro e um copo vazio de massa de tomate, o homem olhou mais atentamente o interior da moradia e viu que não havia geladeira.

- De moringa é melhor, não é? Dá aquele gostinho de antigamente..., disse o homem, a fim de entabular um papo.

- É. Geladeira, além de cara, consome energia elétrica.

- Ainda mais nestes tempos bicudos, não é?, redarguiu o homem.

- Pense, rapaz, como seria melhor o mundo sem geladeiras. Só consumiríamos produtos frescos, e a camada de ozônio não estaria tão esburacada quanto esta calçada...

- Olhando por este ângulo...

Depois de uma boa hora de papo, o homem percebeu que falava com um sujeito bem articulado, inteligente, culto, perspicaz. E justamente por ser assim, no entender do homem, o velho não precisava viver uma pobreza franciscana. Daí tomou coragem e indagou:

- O que o Sr. pensa da pobreza?

O velho baixou os olhos para si próprio por um instante, e calmamente levantou a cabeça para cravá-los novamente nos do seu interlocutor:

- Pobres são aqueles que precisam de muito para viver! Eu só preciso de 10% do que ganho...

- Como?

- Eu disse que só preciso de 10% do que ganho. O resto eu dou para instituições de caridade.

O homem já sabia que o velho era ateu. Já sabia da vida contemplativa que levava, sem luxos, com poucos bens materiais, um asceta, em suma.

- Espécime raro de socialista autêntico, pensou o homem. Então, disparou a pergunta cuja resposta o deixou lívido, inteiramente desconcertado:

- Em que trabalha o Sr.?

- José Mujica, muito prazer. Sou o presidente da República, meu filho!

Em tempo: se o amável leitor e a graciosa leitora interpretaram este texto como ficção, acertaram. Mas não seria de todo inverossímil, se real fosse (vejam por quê).

Autor: José Henrique Vaillant