Um conhecido meu, sujeito parrudo beirando os 40, ignorantão, vive por aí a colecionar em seu malévolo arquivo mental as agruras humanas para comentá-las com pitadas generosas de ironia e sadismo em rodas de botequim.
De mim, anda a falar aqui e acolá, bem sei:
Dia desses vi o pelintra na outra calçada em direção oposta a
mim. Tentei desvencilhar-me olhando perfunctoriamente uma vitrine. Em vão. Atravessou a rua apressado, quase levando uma cipoada bicicletal, vindo cheio de dentes em minha direção:
- Zêinrrique, meu chapa. Há quanto tempo. Também, você não sai do casulo...
- Sair, saio. Só o necessário. Sou meio caseiro.
- Anham! Caseiro, é? Nada disso. Você é um esnobe, um excêntrico...
- Tá bom. Se você acha..., repliquei, ansioso para finalizar o rápido encontro.
- Estou encafifado com essas manchas nos seus braços,
Zêinrrique. Foi tombo? Caiu de alguma escada... Ah, já sei. Caiu de moto...
- Nada disso. São manchas involuntárias.
- Involuntárias? Tá vendo a excentricidade? Uns levam porrada de alguma coisa ou de alguém, mas as suas marcas são..., ai que coisa, in-vo-lun-tá-ri-as.
- Tenho doenças de pele. Às vezes sai sangue dos meus braços, espontaneamente. Não posso sequer encostar um pouco mais forte em algo sólido, minha pele arrebenta. Se eu acaso corresse e alguém me segurasse de supetão, ficaria irremediavelmente despelado, porque uma fricção pouco mais acentuada torna-se intensa abrasão.
A pele rasga-se deixando à mostra a epiderme, a derme, e se facilitar o objeto contundente chega ao osso como faca na manteiga!
- No duro? É doença grave?
- No duro? É doença grave?
- Não sei, respondi, notando um brilho acentuado em seus olhos, que me pareceu menos de curiosidade, mais de satisfação.
- Como é o nome?
- Ignoro. Nem sei se isso tem um nome. Os médicos acham que pode advir de má circulação. Inclusive, um doutor competente na profissão, embora pouco seletivo no que lê, já que se diz um de meus admiradores, acha que é processo natural de envelhecimento, que minha pele é mais sensível e por isso vai se deformando precocemente.
- Esse médico está correto em gostar do que você escreve por
que são coisas interessantes -, retrucou 0 mala, bajulando-me como ato preparatório para outra estocada:
- Mas ele está errado ao falar de precocidade. Você já tem uns 60...
- Epa! 55.
- Jurava que era de 60 pra mais...
- Cuide de melhorar sua capacidade de observação porque, não obstante estes meus problemas, a maioria das pessoas acha que ainda nem cheguei aos 50...
- Esses descascados nas suas mãos também são de velhice?
- Não. São decorrentes de outra doença, chamada psoríase.
- Ahn???!!!, grunhiu, os olhos meio esbugalhados. Pizô o quê?
- Psoríase. Uma doença incurável, felizmente controlável. É
com "p" mudo que se escreve, mas lê-se ”pizôríaze”, cuidando de pronunciar os acentos adequadamente.
- Não tô falando? Mais doença de intelectual. Outro dia encontrei um colega seu que tem..., ah, ah, ah (gargalhou, fazendo um gesto desmunhecante), que tem..., flebite.
- Epa! 55.
- Jurava que era de 60 pra mais...
- Cuide de melhorar sua capacidade de observação porque, não obstante estes meus problemas, a maioria das pessoas acha que ainda nem cheguei aos 50...
- Esses descascados nas suas mãos também são de velhice?
- Não. São decorrentes de outra doença, chamada psoríase.
- Ahn???!!!, grunhiu, os olhos meio esbugalhados. Pizô o quê?
- Psoríase. Uma doença incurável, felizmente controlável. É
com "p" mudo que se escreve, mas lê-se ”pizôríaze”, cuidando de pronunciar os acentos adequadamente.
- Não tô falando? Mais doença de intelectual. Outro dia encontrei um colega seu que tem..., ah, ah, ah (gargalhou, fazendo um gesto desmunhecante), que tem..., flebite.
Veja só (caprichou nos meneios afeminados, acentuando e escandindo as sílabas palatais): fle-bi-te. Nem é febre, nem é meningite. Vocês não podiam ter uma doença de gente normal, tipo alergia, bronquite, reumatismo, asma...
- Pera lá. A maioria das doenças não faz distinção de categoria social, cor, raça ou sexo. A psoríase mesmo é uma das mais democráticas. Ela acomete, segundo dados científicos, cerca de 3% da população mundial de negros, brancos, pardos, homens, mulheres...
- Gente nova também?
- Sim. Raramente até em crianças. Mas seus picos de incidência se dão dos 20 aos 50 anos. Vi outro dia na Internet o drama de um jovem recém-casado com psoríase na glande...
- Grande?
- Não. Glande. Sabe, a cabeça...
- Do pinto?, arregalou os olhos.
- Isso. A doença não escolhe lugar, embora tenha preferência pelas juntas, principalmente joelhos e cotovelos. Felizmente a minha é de natureza leve a moderada (80% dos casos, segundo o Dr. Drauzio Varella) no restante do corpo, infelizmente aguda no couro cabeludo. Mas a do rapaz recém-casado, coitado, causou uma fissura extensa na glande. Uma rachadura, entende?
- E na hora de...?
- Como pode haver hora de..., com aquilo rachado?
- É. Fica difícil. Pode entrar um pedaço, e o outro, não.
- Não brinque com a desgraça dos outros, censurei, raspando de sacanagem as faces posteriores dos dedos de uma das mãos em seu braço.
Ele deu um salto vigoroso para trás, parecia em transe.
- PelamordeDeus, Zêinrrique, retrucou esfregando febrilmente o local. - Quer que eu pegue essa coisa?
- Relaxe. Não é contagiosa.
- Mas que é feio...!
- Admito. Em compensação, segundo algumas correntes científicas, quem a desencadeia é o meu sistema imunológico, que está preparado além do necessário para combater os males.
Está tão hiperativo e tão bem armado que chega a confundir as células boas das ruins, a ponto de atacar as boas por engano. Excesso de virilidade, sabe? As pragas verdadeiras, então, já viu, né?
- Olhando por esse ângulo...
- E você, não tem uma doencinha qualquer?, perguntei.
- Não, graças a Deus.
- Mas a madame tem, não é?
- Nadica de nada. A patroa é uma potranca (riu da cacofonia proposital). Está vendendo saúde.
- Você está enganado, contestei, já dando 0 fora dali. - Ela tem uma doença que é até mais esquisita que a minha, por coincidência também começando com "p" e terminando com "íase". Mas fique tranquilo porque não compromete sua natureza potrancal.
- Que doença?
- PelamordeDeus, Zêinrrique, retrucou esfregando febrilmente o local. - Quer que eu pegue essa coisa?
- Relaxe. Não é contagiosa.
- Mas que é feio...!
- Admito. Em compensação, segundo algumas correntes científicas, quem a desencadeia é o meu sistema imunológico, que está preparado além do necessário para combater os males.
Está tão hiperativo e tão bem armado que chega a confundir as células boas das ruins, a ponto de atacar as boas por engano. Excesso de virilidade, sabe? As pragas verdadeiras, então, já viu, né?
- Olhando por esse ângulo...
- E você, não tem uma doencinha qualquer?, perguntei.
- Não, graças a Deus.
- Mas a madame tem, não é?
- Nadica de nada. A patroa é uma potranca (riu da cacofonia proposital). Está vendendo saúde.
- Você está enganado, contestei, já dando 0 fora dali. - Ela tem uma doença que é até mais esquisita que a minha, por coincidência também começando com "p" e terminando com "íase". Mas fique tranquilo porque não compromete sua natureza potrancal.
- Que doença?
- Pogoníase.
- Pogo...
- Dizem até que é você quem faz a barba nela..., gritei, nesta altura a mais de 200 metros dali, ouvindo a série de imprecações e de insultos acompanhada de gestos ameaçadoramente belicosos.
Se fico por perto, imaginem como ficaria a minha pele!
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em fevereiro/2010