O velho e bom coração, órgão vital à vida e símbolo do combalido amor encontra-se estampado em bandeirolas, cartazes, outdoors, santinhos, simbolizando o sentimento mais edificante da espécie humana.
Talvez, quem sabe, o coração pintado com todas as cores e estilizado de todas as formas pudesse ganhar a companhia de outros símbolos, como um operário saindo da indústria com o aspecto feliz de quem tem a dignidade do emprego;
Com o ancião exibindo a vitalidade que a saúde pública propicia a seus anos avançados;
Com a criança uniformizada com cara de européia pela assistência socioeducacional que recebe;
Nada, nenhuma ação administrativa, nenhum gesto edificante deixa de compor sua infinita bondade e vastidão de abrangência.
Um ou outro candidato apresenta objetivamente planos e projetos, como um do ABC Capixaba que, entre outras coisas, assegura que irá construir um hospital infantil, e, melhor, explicando como fará e manterá isso.
No caldo espesso da cultura de campanha, porém, este candidato excede o comodismo de apenas apresentar o coração subjetivamente como instrumento de felicidade total e absoluta.
Outra coisa que chama a atenção é a criatividade - também com ironia, por favor - dos candidatos e suas músicas publicitárias caroneiras de hits de sucesso para difundir suas candidaturas.
Falando sério, salvo honrosas e raras exceções - como um candidato a vereador de São José do Calçado, que inteligentemente colocou não apenas a letra, mas a própria voz inconfundível numa melodia de gosto acurado), o vazio de idéias, a mesmice, a falta de imaginação deveriam ser punidos pelos verdadeiros autores das canções com pleitos judiciais evocativos de pesadas recompensas pecuniárias a título de direitos autorais.
Além da inautenticidade das canções, o que a maioria dos corações representa verdadeiramente é a falsidade. São corações alados, de afiadas garras; em 4 de outubro baterão asas e voarão com as suas vitrines abarrotadas de embalagens ocas e estoques vazios para retomarem sua faina com as aparências angelicais e os intentos predatórios daqui a quatro anos.
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em Agosto/2004