Itamar Mello de Araújo vai fazer 40 anos de idade no dia 16/2/02.
Nascido, crescido, vivido e continuando a viver muito bem em Bom Jesus do Norte, ele no entanto conheceu fases negras na vida, daquelas que de tão brutais pareciam insolúveis e que o levariam irremediavelmente à morte prematura por uma cirrose hepática ou outra qualquer intercorrência relacionada à bebida alcoólica, que era consumida com voracidade, de forma incontrolável.
Nascido, crescido, vivido e continuando a viver muito bem em Bom Jesus do Norte, ele no entanto conheceu fases negras na vida, daquelas que de tão brutais pareciam insolúveis e que o levariam irremediavelmente à morte prematura por uma cirrose hepática ou outra qualquer intercorrência relacionada à bebida alcoólica, que era consumida com voracidade, de forma incontrolável.
Na auge da juventude, entre os 17 e os 25 anos, o vício (inclusive do tabaco) havia causado uma devastação física e moral tamanha que Itamar, quando acordava invariavelmente após porres homéricos, recorria imediatamente a um copo americano cheio de cachaça para se aliviar da tremedeira involuntária, especialmente das mãos.
“Era meu café da manhã. A primeira coisa que freneticamente eu desejava. Todo o meu corpo tremia, os nervos em frangalhos. Eu não conseguia atravessar a ponte para trabalhar no açougue em B.J.Itabapoana sem a bebida”, conta ele.
Era um ciclo de horror. A cada dia o organismo pedia mais álcool, a gradação era tamanha que por vezes entrava em delírio e em coma.
Era um ciclo de horror. A cada dia o organismo pedia mais álcool, a gradação era tamanha que por vezes entrava em delírio e em coma.
Não raro via monstros horrendos tentando devorá-lo, sentia-se perseguido por seres tenebrosos e chegou a tocar na maçaneta da porta da loucura.
Teve duas internações compulsórias na Clínica de Repouso de B.J. Itabapoana. Permaneceu 20 dias na primeira vez e 65 na outra. “O tratamento lá foi bom”, reconhece Itamar.
Com três anos de casado e uma filhinha de dois (hoje com 14), a mulher não resistiu e o deixou.
Com três anos de casado e uma filhinha de dois (hoje com 14), a mulher não resistiu e o deixou.
“Minha filha era órfã de pai vivo, minha mulher foi vítima da minha estupidez”, reconhece ele.
Em Araruama, para onde foi, a esposa ainda tentou uma reconciliação, na vã esperança de que em novo ambiente o marido pudesse se resgatar da maldição.
“Não teve jeito”, confessou Itamar, “cheguei a tomar álcool puro, desses que vendem nos supermercados. Sem dinheiro, saía pelas ruas catando guimbas de cigarros para fazer o meu minrola (restos de tabaco enrolados em papel de pão)”, contou.
A separação, aí, foi definitiva.
A radical transformação não foi nada fácil. Eliminar dentro de si a vontade da coisa foi um passo extenuante e sofrido que ele não lograria trilhar se não tivesse contado com ajudas preciosas, que prefere não revelar.
A radical transformação não foi nada fácil. Eliminar dentro de si a vontade da coisa foi um passo extenuante e sofrido que ele não lograria trilhar se não tivesse contado com ajudas preciosas, que prefere não revelar.
Abandonou o álcool (tinha alucinações intensas e fissuras indizíveis), mas a continuidade do cigarro era uma espécie de muletas que o ajudava a capengar sem a bebida.
Começou a caminhar, a correr. Em certo dia, seguro de que queria fazer do esporte um contraponto a uma vida pregressa desregrada, de muita dor e sofrimento, abandonou também o fumo, “sempre contando com aqueles auxílios valiosíssimos”, faz questão de frisar.
O Itamar contemporâneo não é um atleta de ponta, detentor dos melhores rankings. Nem podia, até porque não tem sequer patrocínio, e os parcos recursos que aufere como empregado da loja de material de construção Matecol mal bastam para suas despesas pessoais.
O Itamar contemporâneo não é um atleta de ponta, detentor dos melhores rankings. Nem podia, até porque não tem sequer patrocínio, e os parcos recursos que aufere como empregado da loja de material de construção Matecol mal bastam para suas despesas pessoais.
Só a força de vontade e a satisfação interior de ter se libertado da sarjeta, de ter vencido seu pior inimigo, e de ter se tornado uma espécie de exemplo de que para tudo há uma saída, bastando apenas querer, lhe dá ânimo para prosseguir.
Todo dia, chova ou faça sol, domingo ou feriado, lá está ele correndo seus 15 km ou fazendo os famosos “tiros”, que são corridas em alta velocidade de 400 e 1000 metros.
Todo dia, chova ou faça sol, domingo ou feriado, lá está ele correndo seus 15 km ou fazendo os famosos “tiros”, que são corridas em alta velocidade de 400 e 1000 metros.
Duas vezes por mês vai a Vitória/ES para competir ou se preparar para competições estaduais, como o Campeonato Capixaba, disputa esta a qual obteve o 2º lugar na categoria Veteranos em 2001.
Participou da famosa Volta da Pampulha, em Belo Horizonte/MG (18 km), e alcançou o tempo de 1h10min, ficando em 362º lugar em meio a 6.800 atletas;
Competiu na Meia Maratona do Rio (21 km), obtendo a honrosa colocação de 272º lugar entre mais de 7.000 corredores, com o tempo de 1h23min.
Em competições onde milésimos de segundos são tempos preciosos, esta 272ª colocação representou uma diferença de apenas 20 minutos em relação ao primeiro colocado, o queniano John Ntyamba (profissional das pistas), que fez com 1h03min.
Entre outras disputas, Itamar participou da mais famosa competição internacional, a Corrida de São Silvestre, de São Paulo/SP, no ano passado.
Entre outras disputas, Itamar participou da mais famosa competição internacional, a Corrida de São Silvestre, de São Paulo/SP, no ano passado.
A 928ª colocação (se não tivesse errado o caminho algumas vezes certamente ela seria melhor), em meio a mais de 17.000 corredores do Brasil e do mundo foi honrosa, dado o histórico de vida do atleta.
Os mais de 16.000 competidores jamais podiam supor que aquele “russo” de passadas largas que os superava estivesse intimamente tão feliz quanto o etíope campeão da Maratona, já que é também um vencedor!
Pela inspiração do seu exemplo, muitas vidas aparentemente perdidas podem ser resgatadas do vício, da dor e da exclusão social.
Valeu, garoto!
Valeu, garoto!
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em janeiro/2001