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25 de abr. de 2013

Bonjesino, a praça e a..., dengue! Ou, "...Muitas vezes procuramos o que já temos. Nessa procura, trocamos ouro por cobre, diamantes por vidro e pedras preciosas por seixos..."

aí, chefia? Viu que beleza de praça?

-Anhnn?, firmei os olhos para reconhecer o brutamontes que vinha a passos largos, gritando ao longe.

-Bonjesino? 


Sim. Era o ciclope! Quase dois metros de altura, ingênuo, boa-praça, apaixonado pelas Bom Jesus e mais ainda pelos políticos do lugar; reage bravamente quando alguém os critica. 


-Você não vai acreditar, disse ele antes mesmo do abraço de paquiderme que quase me tritura os ossos. 

-Maravilha, chefia! Acabei de ver. Tem chafariz, parquinho que encantaria até as crianças da família real inglesa..., revestimento cerâmico que as celebridades do Oscar pisariam com prazer, jardins magníficos..., e patati, patatá...

-Espere aí, bonjesino, interrompi-o no momento em que sua euforia atingia os píncaros.


-Você está falando...

-Isso. Da Praça Governador Portela (Bom Jesus/RJ), afirmou excitado, sem me deixar completar a pergunta.

-Calma, bonjesino. Relaxe. A praça é bonita, realmente. Também, custou R$ 2 milhões do seu, do meu, do nosso suado dinheirinho...

-Do meu não, chefia. Nem do seu. É todo do Governo do Estado. Eu não dei um centavo. Aliás, se me pedissem, até que separava um dia do meu trabalho...


-Do seu dinheiro, sim, amigo. Você não come feijão, arroz? Não compra remédios? Não paga conta de luz e água? Não toma umas e outras de vez em quando?


-E daí?

-Imposto, criatura. Você paga imposto.

-Não pago nadica de nada. Lá vem você inventando coisas só pra não fugir àquela sua velha mania de criticar...

-Ah, é? Saiba que o imposto médio dos alimentos é de 17%. 

Isso quer dizer que quando você vai ao supermercado e compra R$ 100, deixa R$ 17 limpinhos, limpinhos, de imposto, que é o dinheiro que, entre outras coisas, estão usando para fazer a praça.

-Não diga!

-Digo. E mais: na firma em que você trabalha, de cada R$ 1 mil de faturamento, R$ 340 vão para o governo, já que a carga tributária média das empresas é de 34%.

-????!!! Agora sei porque o patrão reclama tanto. Mesmo assim, chefia. Dá gosto pagar para ver aquela maravilha!

-E no mais, amigo? Fora a praça, o que há de bom por aí?


Precedendo a resposta, um daqueles olhares penetrantes, mistura explosiva de indignação e censura.

-Sei onde quer chegar. Estou acostumado. Não comece, viu?

-Só fiz uma pergunta...

-Daquelas maliciosas. Como se nada mais de bom existisse.

-Por exemplo: o quê?

-Tem a..., Sabe..., Aquela... Vai dizer que também não viu o... O problema da..., Foi resolvido... Os moradores até..., Ninguém pode dizer... Aquilo ficou ótimo... A rua está..., O caso do..., Beleza, tudo de bom..., Lembra do..., Solucionado, sim, solucionado..., Os servidores..., Ufa..., Tanta coisa...

-É. Estou vendo. Muita coisa. Nada ruim?

-Só a Dengue.

-Ruim até demais, complementei.

-Mas não é culpa das autoridades...

-Não?

-Culpa nossa. Veja que enquanto elas estão dando o maior duro, trabalhando desesperadamente pelo nosso bem-estar, o que a gente faz, hein, hein?, perguntou com trejeitos furiosos, a candura momentaneamente posta para escanteio. 

E completou, esbravejante:

-Deixando lixo espalhado, copinhos de iogurte, tampinhas de cerveja, pneus, vasos de planta cheios de água sem trocar por 200 anos, caixas d´água descobertas, matagais abandonados em forma de terrenos...

Difícil seria convencer Bonjesino de que a culpa é, sim, majoritariamente das autoridades, que têm a prerrogativa de legislar, regulamentar, fiscalizar e punir; 

Que possuem os mecanismos, os meios para conscientizar, alertar, insuflar os instintos de autopreservação.

-Até parece que você é uma autoridade, Bonjesino, pois algumas delas dizem a mesma coisa...

-E estão certas. A culpa é do povo....

-...Que as elege..., atalhei-o timidamente, afastando-me um pouco do gigante, puro reflexo condicionado de autodefesa, desnecessário porque Bonjesino é incapaz de estapear um..., Aedes!


O semblante do colosso enfarruscou-se. Passados alguns segundos de tensão, porém, transformou-se numa máscara encorpada de ironia quando seus três neurônios ordenaram a afirmativa que considerava fatídica, lapidar, que poria uma pá de cal no meu estoque de argumentos:

-A, há..., cerrou o punho balançando-o loucamente para a frente e para trás. 
- Toma essa, chefia, preparou-me para a estocada mortal. 

- Eu vi na TV que a Dengue está barbarizando em todo o Brasil. Não é só em Bom Jesus, não, viu seu escrevedorzinho maledicente?

-Tem razão, Bonjesino. Essa praga infelicita todo mundo.

Olhe só: o Estado do Paraná teve 1.383 casos confirmados até o dia 14/2 na totalidade dos seus 399 municípios. 

Bom Jesus teve 266. 

Ou seja, cada município paranaense confirmou, em média, 3,5 casos. Nós confirmamos 266, repeti, acentuando o tom na pronúncia dos números.

-É mesmo, chefia? Três casos e meio contra duzentos e sessenta e seis?

-Bidu!

-Mas...

-Nem mas nem meio mas. O problema é o gosto de viver de aparências. Nessa ensandecida escala de valores, mais vale uma praça que a saúde da população, que fica pelos corredores e pelas filas esmolando um atendimento o mais simples. 

E continuei, sem dar chances a apartes:

-Quando a doença complica, e a dama da foice se aproxima para tomar os apontamentos exigidos por São Pedro a fim de dar a destinação de cada um, dá-se a debandada para Itaperuna, Campos, qualquer outro município que dificulte um pouquinho mais o hálito quente da morte bafejar no cangote desprotegido, indefeso, vulnerável...

-Pare, homem de Deus. Está vertendo bílis pela boca, cruz em credo! O dinheiro da praça estava lá dando sopa, tipo me leve por favor. Mas só podia ser usado na praça, era verba específica. Você acha que nossas abnegadas autoridades iam deixar escapar a oportunidade?

-Melhor teria sido, Bonjesino. É vergonhoso, ridículo, inominável que uma população padeça de tantas carências, nos mais variados aspectos, e queiram operar o milagre de acabar com elas retinindo-as com penduricalhos efêmeros e vãos como a sombra que passa.

-Vou-me embora, chefia. Chega de tentar convencer um ingrato de que nossos políticos são o que há de mais altaneiro. Você não merecia de Deus o dom de escrever. Até Ele, até Ele você é capaz de criticar!

-Pensando bem...: Deus, oh Deus, onde estás que não respondes/ em que lua, em que estrela Tu T´escondes/ embuçado nos céus... 


Dizeres de Castro Alves. 

Para quem gosta de poesia, por que não se inspirar no genial poeta e compor elegias, como derradeiro alento, em meio a tanta dor?

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em março/2011