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29 de mar. de 2013

Ter é imperativo, ser é irrelevante. Maldita inversão!


Crente já ter visto de tudo nesses meus impávidos 49 anos de existência, no mínimo uns 40 lendo jornais, fui surpreendido por uma notícia chocante dia destes cujo impacto em meu intimorato espírito revelou-me, felizmente, que ainda não foi sedimentada minha capacidade de indignação nem que estou imunizado contra os abalos morais e a comoção ao presenciar o drama alheio.

Um cidadão (só me recordo do sobrenome, Wunder) carioca mata a família – três filhas adolescentes e a mulher – e suicida-se em seguida, unicamente porque já não conseguia manter o alto padrão de vida material que ostentava.




Que me lembre, só os cruéis assassinatos do menino Serginho, aqui mesmo em Bom Jesus, em 1977, crime que ficou conhecido como o caso “Zé do Rádio” (ele, o Zé,  sequestrou e assassinou o sobrinho de 11 anos a pauladas e depois jogou o corpo no Itabapoana) e da menina vitoriense Aracelli Cabrera Crespo, 8 anos, assassinada por pedófilos influentes da capital, logo após ser abusada sexualmente por eles, em 1973. 

Na década de 60, ainda menino, horrorizei-me com o famoso caso “Fera da Penha”, um crime tão inacreditavelmente brutal, tanto na mecânica do ato quanto pelos motivos, que até hoje guardo muito vívido na memória. 

A comerciária Neide Maria Lopes, a fera de 22 anos, matou com um tiro na cabeça e depois incendiou a filha do amante, a pequena Tânia, 4 anos, nos fundos de um terreno baldio do matadouro da Penha para se vingar do pai da menina. 

Esses três casos, no entanto, tiveram em comum o elemento da maioria dos crimes, que é o atentado contra o semelhante. No caso do Wunder a coisa ganha aspectos ainda mais dramáticos. Ele matou a própria família! 

O mais estarrecedor foi o motivo: a insolvência daquele que era um importante empresário carioca, e que por isso não conseguia mais sustentar o altíssimo padrão de vida familiar. Tudo aconteceu de forma brutal, dentro da própria casa, dentro dos quartos, sobre as próprias camas. 

Os valores materiais, elencados pelo homem contemporâneo acima dos méritos morais e espirituais (em toda a casa havia imagens de santos e máximas de cunho religioso, uma perversa ironia!) ocasionaram a tragédia. Veja a que ponto chegamos! 

O que esse consumismo desenfreado, esse apelo irresistível está fazendo conosco! Como é triste assistir principalmente a nossa juventude totalmente perdida num sistema opressor que exige um videogame de última geração a cada seis meses, um par de tênis de R$ 300 a cada três e um jeans por semana! 

Como podemos continuar a viver assim, sem resistência aos apelos do consumo, sem saber dizer não ao dinheiro, profundamente frustrados se os nossos bens são inferiores aos do vizinho?

Temos de fazer uma profunda reflexão e reagirmos, tentarmos encontrar uma saída, uma forma de tolerarmos conviver sem as grifes, sem as viagens, sem as compras supérfluas e sem os restaurantes de luxo. 

Precisamos recuperar a capacidade de ficarmos um pouco sozinhos, com nossas famílias, com nossas consciências, com nosso silêncio e nossa solidão. Nossos filhos precisam aprender a não cobrar, cobrar e cobrar sempre, sempre mais.

 Vivendo em bandos, competindo de modo insano para provarmos que somos os melhores, os mais elegantes e os mais poderosos elegemos a vaidade e o egoísmo como valores básicos, e isso positivamente não se coaduna com os valores basais da vida em sociedade. 

Sem querer ser piegas, o ser haverá de se constituir, mais dia menos dia, no elemento capaz, único da manutenção da vida na Terra. Já passou, e muito, a época de resgatá-lo e cultivá-lo com carinho.

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em julho/2003