É intrigante, terrivelmente perturbadora a escalada sinistramente ascendente de suicídios ocorridos em Bom Jesus.
Não tenho estatísticas para me embasar, mas me bate a sensação de que nosso lugar outrora tranquilo, de poucas novidades, está se tornando um pólo de ocorrências dessa natureza em elevada proporção relativamente ao número de habitantes.
Não tenho estatísticas para me embasar, mas me bate a sensação de que nosso lugar outrora tranquilo, de poucas novidades, está se tornando um pólo de ocorrências dessa natureza em elevada proporção relativamente ao número de habitantes.
Tomara que me engane. De qualquer modo, o surto vai crescendo, parece que em efeito cascata, o que é duplamente preocupante.
Pessoas com tendência a dar cabo da própria vida podem estar se espelhando nos exemplos antecedentes para um último estímulo ao impulso fatal.
Hoje mesmo em que escrevo estas linhas (1/5), nem bem refeito do trauma pelo rapaz que pulou do Shopping e do que saltou da Passarela da Amizade para a morte, tomei ciência do caso da mulher que se asfixiou com gás, parece que ontem.
Eu me pergunto: será que nada podemos fazer? Não existem providências científicas, técnicas, políticas ou religiosas que possam, se não evitar, ao menos minorar esses tristes acontecimentos?
Sabendo-se de antemão que a maior parte destes eventos partem de pessoas profundamente depressivas, desalentadas, incapazes de pagar o alto preço que a vida nos cobra a todos indistintamente, não estará faltando a elas mais apoio psicológico, alternativas públicas de assistência social e psicológica, entidades tipo Alcoólicos Anônimos que os possam propiciar um pingo de alento para esta tarefa árdua mas que vale o sacrifício, que é viver?
Não estaremos nós, os mais “conformados”, sonegando-lhes ajuda? Fica aqui a minha contribuição, espero que estas linhas inspirem reflexões, principalmente se considerada a devastação na existência das pessoas próximas de quem pratica este gesto tresloucado, de desvario extremo.
Certamente vai ajudar a quem lida com pessoas deprimidas ler o texto abaixo, da médica psiquiatra portuguesa Adriana Campos.
"O QUE NUNCA SE DEVE DIZER
A depressão, contrariamente àquilo que se considerava até bem pouco tempo atrás, não é uma reação psicológica de pessoas fracas que não conseguem resolver os seus problemas, mas sim uma doença grave e incapacitante.
A depressão foi estimada, nos anos 1990, como a quarta causa específica provocadora de incapacidade, através de uma escala global que compara várias doenças.Qualquer pessoa, independentemente do sexo, da idade ou da fase da vida, pode, de repente, mesmo sem um fator desencadeante grave, perder o sentido da vida.
A vida pode subitamente tornar-se cinzenta e, por mais esforço que o indivíduo faça, não consegue encontrar-lhe a cor. Estar deprimido não depende da vontade da pessoa, uma vez que a depressão resulta da deficiência de determinadas substâncias (serotonina, noradrenalina e dopamina) a nível cerebral.
Por esta razão, dizer a um deprimido "você deve dar a volta por cima”, “tem que ter mais força de vontade" é completamente injusto e aumenta ainda mais o estado de desânimo em que o doente se encontra.
Um outro comentário que frequentemente é dirigido a pessoas deprimidas é "precisa sair e se distrair". Apesar de este parecer um conselho sensato, é mais um que, no contexto desta doença, faz muito pouco sentido, uma vez que a pessoa está tão centrada no seu mal-estar que não consegue distrair-se.
Os acontecimentos sociais são um verdadeiro tormento para estes doentes, uma vez que têm de fazer um esforço desmedido para aparentar que estão bem.
"Não pense tanto": este é outro comentário frequente, que também não faz sentido, uma vez que, geralmente, o indivíduo deprimido não pensa muito. Pelo contrário, até pensa menos, só que o faz sempre em torno das mesmas idéias.
A maioria destas pessoas tem graves dificuldades de concentração e sente-se incapaz de tomar decisões, ainda que banais, exagerando os efeitos "catastróficos" das suas hipotéticas decisões.
Um outro comentário, profundamente injusto, que muitas vezes é proferido a estes doentes é: "Não lhe falta nada. Por que é que você está assim?".
Como doença que é, pode atingir qualquer um, por melhor que a sua vida possa ser. Há pessoas que têm propensão para esta doença, passando periodicamente por episódios depressivos, sem que haja nenhum fator desencadeante.
Além destes comentários, que o deprimido dispensa e até agradece que não sejam feitos, existem também alguns mitos relativos à depressão, sobre os quais também é importante refletir.
Um mito frequente é que o melhor é não falar ao deprimido sobre a sua depressão, pois isso só vai piorar a situação. Ignorar a depressão não parece ser a melhor estratégia, pois isso pode provocar maior retraimento e vergonha por parte do doente. Estar disponível para ouvi-lo pode ser uma grande ajuda.
"Ele está muito deprimido e falou em suicidar-se, mas ele não é disso". Este é outro mito que é importante desmontar, uma vez que a depressão é uma das principais causas de suicídio, principalmente entre as pessoas que vivem solitariamente.
Por esta razão, qualquer deprimido que pense em morte ou em suicídio precisa de auxílio médico imediatamente. Se você deseja mesmo ajudar um doente deprimido, então o melhor é, além de o ouvir, incentivá-lo a iniciar o tratamento, pois todas as pesquisas indicam que quanto mais rápido este começar, maior é a possibilidade de evitar recaídas mais tarde.
Uma vez este ter iniciado, procure motivá-lo a não o abandonar, já que os antidepressivos precisam de três a seis semanas para fazer efeito".
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em maio/2005