Um cidadão de meia-idade chega numa farmácia e, um tanto constrangido, fala ao balconista:
- Estou precisando de algo..., como direi... algo assim...,
fita meio sem graça o balconista e completa, de chofre: - bom para o entusiasmo, é isso, bom para o entusiasmo. Sabe como é..., essa vida que a gente leva..., preocupações..., problemas...
-Já sei, já sei, responde o mais que solícito balconista, todo gentileza, com um brilho de satisfação no olhar. - O senhor chega em casa cansado..., desanimado..., sem disposição para nada... acertei?
-Na mosca! É isso mesmo, desencabula-se o freguês.
E o balconista, antegozando o lucro extraordinario da venda de produtos tão caros quanto inócuos, que não fazem nenhum efeito (os cognominados B.O., bom para otários), incentiva o infeliz:
-Tenho aqui remédios que fazem verdadeiros milagres. Levantam até defunto.
- É do que preciso, anima-se o cidadao. - Ultimamente a patroa tem reclamado tanto..., coitada. Já carece de tanta coisa..., e até o que ela dava como certo pelo menos uma vez por mês ..., diminuiu o tom de voz, - não estou conseguindo mais!
- Pois o senhor veio ao lugar certo. Vou lhe vender uns compostos que são tiro e queda. A patroa vai vibrar, e é provável até que ela passe a reclamar..., mas de excesso..., explica com um risinho sarcástico, dirigindo-se às prateleiras e voltando com uma pilha de caixas.
- O senhor vai tomar..., presta atenção, este quando acordar, este de duas em duas horas, este antes das refeições, este ao deitar-se, este meia hora antes do... do..., pega pra capar..., este...
- Tudo bem, redarguiu o freguês, agora com uma voz mais grave. - Antes de eu levar os remédios, o senhor venha comigo assinar um B.O.
-Ahn? B.O.?
-Isso. Boletim de Ocorrência. O senhor está preso em flagrante por exercício ilegal da Medicina e por vender remédios falsificados, disse, mostrando-lhe a carteira de Delegado de Polícia.
Em tempo: o governo não gostou nem um pouco saber que alguns laboratórios tratam o povo como otário. É que o governo detesta concorrência.
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em abril/2000