Calçadas na plenitude de seu dever de ofício são casuais. Não raro viraram objeto de usufrutos particulares diversos, notadamente depósito de material de construção e até extensões dos mais variados ramos de negócios.
Pessoas abandonam seus refugos nas ruas, nas praças, em qualquer lugar público sem o menor constrangimento.
Entulho de obras, lixo, móveis e utensílios descartados são depositados a qualquer hora, em qualquer lugar, mesmo que o caminhão de recolha tenha passado alguns minutos antes.
É um comportamento bizarro, incrivelmente banalizado, tal como as sórdidas bacias de excrementos de seus senhores que os escravos do Brasil Colônia despejavam em qualquer lugar pouco mais longe dos palácios, ou os penicos plebeus esvaziados diretamente das janelas de seus usuários, mal comparando.
A agonia estética e higiênica, de civilidade mesmo, em Bom Jesus, parece não sensibilizar suas autoridades.
Não apenas as do Poder Executivo, e até com mais ênfase, como deveria, às do Legislativo, que têm o dever de legislar, fiscalizar e cobrar.
Lamentavelmente, entretanto, ninguém move uma palha para tentar mudar os conceitos, não se ouve uma voz estridente, ninguém vislumbra que maciças campanhas de conscientização e advertência sejam necessárias.
Todos parecem estar em estado de apatia, letárgicos, impassíveis a contemplar o visual e até o futuro das cidades rolando aparvalhados feito troncos de enchente.
É a inação completa, coletiva, talvez com a vã esperança de que surja uma solução mágica que, mantendo intocadas a indulgência e a acracia, transforme Bom Jesus em cidades modernas, organizadas, atraentes. A quadratura do círculo!
Pela força da vontade, o homem visitou a Lua seis vezes e está com um pé em Marte. A falta desta mesma vontade para outros fins edificantes é, por outro lado, uma de suas mazelas.
No caso de Bom Jesus, unem-se a penúria de dinheiro, embora muitas coisas básicas independem de recursos financeiros, com o que tem parecido ser indolência e desamor pelos respectivos municípios, e está pronto e acabado o cenário sombrio, desolador.
O arraigado ranço provinciano que mantém intocados usos e costumes de antanho reina soberano.
Não se deve descontentar "eleitores" obrigando-os a desocupar os espaços públicos, exigir de muitos deles comportamentos civilizados quanto aos mais elementares deveres que devem ditar uma consciência sã.
O cânone político daqui parece explicitar ser proibido contrariar interesses, mesmo que estes contrariem as boas normas de convivência agregada.
Por exemplo: nenhum empresário, especialmente se for de alto coturno, deve ser importunado se utilizar os logradouros como complemento de seus estabelecimentos.
Ele dá emprego, gera renda, como se isso fosse salvo-conduto para desorganizar, emporcalhar, enfear e descaracterizar as cidades.
Estas, que lhes facultam os lucros, nada têm em contrapartida senão a feiura, a sujeira e a desconsideração!
Enfim, os velhos cacoetes incoerentes com os novos tempos só podem ser banidos com idealismo, inteligência, coragem, independência, desassombro, honestidade de propósitos, pragmatismo e aversão à hipocrisia e à demagogia.
Quem se habilita?
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em abril/2007