Uns morrem vitimados por excesso alimentar e vida sedentária. Outros, de fome e de sede. Quanta ironia! Quem sofreu mais? ACM velando seu filho vitimado por mal cardíaco, ou uma flagelada nordestina velando o seu, aniquilado pela fome?
Com profundo respeito pela dor de ambos, quero crer que a mulher sofreu mais, uma vez que o fez pelos dois.
O jovem político que se foi prematuramente também era considerado de certa forma como um filho, a quem essa mulher dorida depositava suas agastadas esperanças de um futuro melhor;
ACM, por outro lado, sequer a conhecia (talvez não fizesse muita questão), tampouco a seu rebento esquálido pela doença, pela fome e pela sede.
Esta senhora, não fôra pela ingenuidade e compulsória ignorância, certamente não teria dividido seu pesar com tamanha generosidade, pois haveria de ter descoberto, há tempos, que sua existência só faz sentido para o sistema se padecer de crônicas carências.
E não seria Luiz Eduardo, um dos mais benemerentes a compor esse álgido sistema, oriundo da nobreza e das oligarquias quem iria obliterar a indústria do cabresto, pródiga em produzir de vereadores a presidentes, utilizando como matéria-prima a demagogia de uma cacimba ali, um açude acolá, uma torneira alhures e demais adjutórios distribuídos em doses homeopáticas e de efeitos paliativos.
Ela, coitada, acredita nos belos discursos e nas torpes desculpas quanto ao flagelo da seca, sustentadas, via de regra, no imponderável da natureza e na ausência de recursos.
Não se iludiria a infeliz se soubesse que os extensos desertos israelenses e kwaitianos, por exemplo, foram transformados em campos férteis através de políticas sérias e eficientes, e que as toneladas de Reais ofertados para salvar os banqueiros seriam suficientes para solucionar todos os problemas dos nordestinos vitrificados pela seca, e ainda sobraria algum.
A estiagem de agora ilustra perfeitamente o descaso.
Há mais de um ano já se previa sua intercorrência, e nada, absolutamente nada foi feito, até porque os atuais maganos de Brasília mal tiveram tempo nestes últimos quatro anos para suas picuinhas particulares e salvaguarda dos próprios interesses, - sobretudo a perpetuação no poder -, muito embora planejem distribuir as migalhas nos próximos meses, de olho nas eleições, oportunidade em que deverão deglutir buchadas de bode antecedidas de doses estratégicas de Plasil.
A completar o jogo de cena montarão em asnos, e essa senhora, embevecida e deslumbrada, esquecerá seus próprios problemas e retribuirá com algo parecido com uma cruz desenhada numa cédula, que ironicamente será mais uma vez o símbolo do seu calvário.
E ainda guardará, nos recônditos do seu ingênuo ser, certamente, uma lágrima a mais destinada aos “salvadores” do seu Brasil varonil, pátria amada, salve, salve.
Autor: José Henrique Vaillant - publicado em maio/1998