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22 de fev. de 2013

Não quero choro nem velas

É do Barão de Montesquieu, escritor e filósofo francês (1689-1755): "Gostaria de suprimir as pompas fúnebres. Devemos chorar os homens quando nascem, não quando morrem". 

Senhor Barão. Data vênia, acho exagero chorar no nascimento (a não ser de alegria), mas não chorar de tristeza, pela morte, estou totalmente de acordo.


Mas quero mesmo é falar de anúncios fúnebres e velórios, estes rituais neandertalóides que tratam a morte com exagerada reverência. 

Principalmente os anúncios de falecimento transmitidos pela publicidade volante com seu indefectível formato composto pela rigidez cadavérica (perdoem o trocadilho infame) da voz sempre impostada, formal como a de um lorde, numa tristeza de dar dó, discordo peremptoriamente. 


É um troço de mau gosto porque aquilo que se divulga - a morte - é vulgar e melancólica, que usa a humana dor para o seu prazer, como disse o poeta. 


A dama da foice não precisa de marketing porque seu sinistro ramo de atividade conta com 100% da freguesia, desde que ao primeiro ser foi apresentada. 

Já disse isso há alguns anos aos meus familiares e reafirmo que, quando soar minha derradeira hora, nada de tristeza. 

Quero um velório descontraído, com músicas do Dire Straits ou similares, que será uma homenagem às avessas àquela que me abateu. 

É um rabo de papel que colocaremos nela, uma sonora vaia à nefanda que dá sempre de braçada no mar de lágrimas. 

Vai nadar no seco! 

Uma pequena prece, tudo bem, não se pode prescindir de recomendações ao Criador. 

Mas pelamordeDeus, tudo em alto astral, como se fora (e será) uma festa. 

Ah, e por favor: que sejam abolidos os velhos clichês, tipo "era um bom jornalista"; "um homem cordato", essas coisas.

Só para contrariar o provérbio italiano segundo o qual o melhor meio para receber elogios é morrer.

Isto equivale formalmente a um testamento assinado. 


Nele consta também uma cláusula segundo a qual tudo o que puder ser aproveitado de minha bendita matéria universal pode ser legado a outrem, se é que restará algo que preste ou outrem que se arrisque. 

Meus detratores poderão me acusar de estar querendo dar uma de excêntrico, de que planejo a antítese de minha timidez velha de guerra quando já não me será possível corar. 

Mas esta acusação terá sido por desconhecerem o dissabor que experimento pela ritualística mortuária. 

A começar pelo anúncio na voz extremamente pausada, timbrada de extrema gravidade, com as palavras quase escandidas, precedidas da Ave Maria, de Gounod: "fa-le-ceu... o se-nhôôôr... fu-la-no.... mais con-he-ci-do co-mo... Se-us fí-lhos, etc. e tal, convidam para o sepultamento às tantas horas no cemitério local (às vezes campo-santo, o que é dose! Por que santo, se todos somos pecadores?). A fa-mi-li-aaa, enlu-ta-da-aaa, a-gra-de-ce-eee (este negócio de enlutada...., dependendo do parente..., sei não!).


Pode existir algo mais deprimente? Como diria o saudoso colunista do Jornal Repórter, Leônidas José, com que direito invadem os ouvidos para lembrarem, em outras palavras, que todos temos um encontro marcado com as estrelas ou com o limbo? 


E as pessoas que já tiraram o passaporte para esta viagem sem volta, como se sentem com a impiedosa e compulsória lembrança "você poderá ser a próxima"?

Por motivos óbvios não posso declinar o nome, mas um conhecido disse, desolado, que numa bonita tarde de sábado ele e sua digníssima esposa cuidavam da boa obrigação do matrimônio (ele me garante que o faz semanalmente, mas há controvérsias. Bocas de Matilde dão conta de uma irresponsabilidade tal com a obrigação, que poeira de meses é levantada por ocasião da esporádica seara) quando se deu o desastre desencadeado pelas ondas tenebrosas do lúgubre carro de som que pôs fim imediato ao prelúdio carnal. 


"Foi um seca-pimenteira. Além de tudo o extinto era um velho colega de infância. Foi ele subir e eu descer!", relatou, bem-humorado, não exatamente com estas palavras.


Proponho que sejam abolidos tais anúncios em Bom Jesus, dando o bom exemplo a outros lugares. 


E não pensem que não me preocupo com os colegas da comunicação móvel, para quem a vida continua e circular é preciso. 

Que tal usarem a criatividade para atrair outros anúncios, de nascimento, por exemplo? Sim, por que não? Seria lindo: "Nasceu hoje fulano ou fulana. Seus pais comunicam, encantados, este radioso acontecimento". 

Hein, macanudo? Eu até aproveitaria para produzir uma matéria. Título: "Faleceu a nota de falecimento". Sub-título: "para felicidade geral, foi substituída pela nota de nascimento". 


E iniciaria assim o texto: "Morreu de pieguice aguda, associada com ridiculose cerebral e derrame retrógradus...”.

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em setembro/2007