Enchentes mostram sua face assustadora nas duas Bom Jesus não uma, nem duas vezes, mas três, que é para não haver dúvidas quanto suas sinistras intenções.
O velho filme impõe sua odiosa reprise ad nauseam, sempre tão igual e a cada vez mais sacrificante de aturar com aquele cenário sombrio de mulheres e homens com seus filhos e alguns pertences fugindo da calamidade, sabendo que dali a um ano, ou menos, a saga se repetirá irremediavelmente.
Ao redor de tudo, um inimigo incrivelmente pequenino para o grau de periculosidade que ostenta faz suas incursões perversas nos corpos humanos para inocular-lhes a terrível dengue.
É a alegoria mais macabra do bloco do horror, o arremate triunfal de uma Natureza esgotada, extenuada pelo descaso e pelos crimes ambientais que se perpetuam em nome de um progresso insano porque impossível de ser sustentado.
Culpados? Todos nós. Tomem-se como exemplo as cidades de Bom Jesus, num espraiar para todo o mundo subdesenvolvido, ignaro e autocriminoso.
Um joga o lixo em qualquer lugar, outro deixa seu terreno descuidado.
E não há autoridade! E não há quem se indigne! E não há quem mexa o traseiro um milímetro para alguma ação objetiva a partir do tsc, tsc, tsc, do gesto resignado e tímido de discordância que um ou outro manifeste.
Raros são os trechos que o outrora fundo Itabapoana não "dá pé".
Em épocas de estiagem ele chega a se transformar, em alguns pontos, de um caudaloso e impávido manancial em priscas eras que bem longe vão, num melancólico e ridículo laguinho.
A fina lâmina d´água, com aquela lama sórdida, sobeja, quase cristalizada a rodeá-la, é como um lembrete da natureza aos bom-jesuenses e a todos os povos de maneira geral: em pouco tempo, insensatos, vocês verão!
As desgraças que hoje convivem serão consideradas dádivas celestes em comparação com a sede.
Torçam para que não haja vida após a morte: vocês estariam condenados a contemplar seus descendentes com as gargantas esturricadas a mirarem os céus com olhar canino de súplica!
Desastres naturais, fenômenos da Natureza são registrados desde que o primeiro bípede deixou seu rastro neste Planeta Azul.
Ninguém pode ser culpado por isso, mas que devam existir quem se responsabilize pela tarefa de enfrentar as calamidades, aí sim.
É para isso que existem governos, ao menos em tese. Mas qual! O Executivo nacional culpa os estaduais e os municipais, que por sua vez culpam o nacional.
E o povo que contribui com seus tostões para conservar-lhes os milhões também se isenta da responsabilidade, só faltava mais essa...
Medidas corretivas e preventivas, nem pensar. Planos de ocupação ordenada, projetos vigorosos e objetivos de recuperação e restauração dos ambientes naturais, então, é delírio de sonhadores.
Como se ousa mencionar semelhantes coisas se nem o bueiro da esquina pode ser "desconcretado" por "falta de verba"?
O louco que pensar semelhante asneira é capaz até de achar que o dinheiro público deve ser usado para coisas públicas...
Um abilolado no mundo da Lua!
A natureza vai, assim, reagindo contra os excrementos sólidos de nossas almas e nossas ignorâncias líquidas.
E seja o que Deus quiser!
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em fevereiro/2007