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23 de fev. de 2013

Carta aos meus tetranetos

QUERIDOS

Estou redigindo esta carta, amados tetranetos e tetranetas, em maio de 2007, esperando que no momento em que vocês puderem lê-las e interpretá-las tenham a capacidade e a condescendência para perdoar.

Desculpem-me, desculpem-nos. Sua pele esturricada e as gargantas sedentas são frutos de ignominiosos crimes que a minha geração cometeu contra vocês. 


O alimento sintético que vocês engolem em cápsulas, por inexistência de produtos animais e vegetais que a Terra estéril não foi capaz de sustentar, é nossa culpa exclusiva, pela degeneração ambiental que promovemos. 


O oxigênio que seus pulmões buscam desesperadamente no ar rarefeito da sua era de horror, fomos nós que praticamente o eliminamos da face do Planeta ao devastarmos nossas florestas. 



Seus corpos esquálidos, cobertos de chagas por doenças trazidas pelo sol inclemente, abrasador, são o preço de nossa insensibilidade e egoísmo, quando jamais pensamos para além de nossos umbigos, de que a vida haveria de continuar após nossa injuriosa existência; matamos impiedosamente os mananciais hídricos e tudo o mais que respaldava a vida!

Ah, crianças, que já nem mais possuem papilas gustativas por serem absolutamente desnecessárias. Como explicar para vocês o sabor de um bife com batatas fritas? A delícia de um pudim de leite ou um angu com taioba? 

E como explicar-lhes a beleza de uma flor, o canto mavioso de um pássaro, as estripulias caninas e felinas, os verdejantes vales? 

Vêem este Rio Itabapoana seco e empedrado? Pois é, meus queridos, podem acreditar que seu tetravô nadava nas águas dele quando criança, pescava piaus, cascudos, bagres e lambaris.  

O peixe nem tinha muito valor, tão grande a proliferação!

Certamente que os regimes de governo de vocês são terrivelmente autoritários, ditatoriais, pois só dessa forma vocês podem lograr sobreviver no cenário sinistro da desordem e da discórdia pelas disputas desesperadoras por um copo d'água ou uma sombra, somente propiciada por coisas inanimadas. 

Mas aqui, agora, filhos dos filhos dos filhos dos meus filhos, vivemos a plenitude da liberdade civil e da fartura, sem possuirmos o merecimento de tê-las.

Construímos casas na beira dos rios destruindo sua mata ciliar; despejamos nossos excrementos e nossos rejeitos a cada dia mais intensos diretamente nas águas; deixamos lixo e restos em qualquer lugar: nas ruas, nas praças, nos jardins.

Depois a chuva abençoada vem e os joga no rio, que não pode lhes servir porque não resistiu ao martírio. 

Desculpem-me, desculpem-nos. Nossos países de hoje têm recursos de sobra, mas não têm líderes sinceramente preocupados com vocês, do futuro. 

Não possui estadistas que pensem um palmo além de seus próprios interesses pessoais, de seus egos assustadoramente inflados. 

E vocês, queridos, carregam o fardo cruel dessa ignomínia! 

Só para exemplificar a natureza das consciências globais dos habitantes do nosso ainda lindíssimo Planeta Azul, agora mesmo tivemos aqui em nossa região uma tal de Descida Ecológica no Rio Itabapoana, proporcionada por uns poucos sujeitos mais sensíveis que pensaram poder, com o gesto, amplificar o rouco gemido de dor do Itabapoana, a prenunciar o que vocês desgraçadamente vivenciam, que é a contemplação do seu cadáver. 

Os abnegados barqueiros em seus barcos (vocês sabem o que era um barco?) pensaram atrair uma multidão para vê-los remarem, e com isso despertar a consciência, acordar a sensibilidade para a necessidade urgente urgentíssima de se estancar a hemorragia do rio. 

Foi de pasmar! Quase ninguém apareceu. 

E só um dos quase 200 vereadores (vejam nos livros de História o que era um vereador e um Poder Legislativo) que representam as populações dos 18 municípios que se servem do rio participou do esforço, que vocês sabem, desoladamente, ter sido em vão. 

Queridos tetranetos, vou ficando por aqui. 

Deixo-lhes a mancha de minhas lágrimas neste papel, por saber que vocês não podem vertê-las apesar das lancinantes dores morais e físicas que sentem. 

E humildemente rogo-lhes: desculpem-me, desculpem-nos a nossa pequenez.

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em maio/2007