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21 de fev. de 2017

Registrando um sonho em seis sonetos


Aos 19 de fevereiro do corrente ano./
Agnosticismo meu, latente, confrontado,/
conto-lhes (fiquei deveras intrigado)/
este sonho estilo kafkaniano./

Um domingo. À sesta. Calor “saariano”/
em Calçado. Ventilador na máxima ligado,/
Morfeu estende os braços e me faz subjugado./
Desligam-se os reatores e o sono vem, draconiano./

Subitamente o cenário monocrômico, indefinido:/
em Bom Jesus, na moto, a não sei quê impelido./
Era noite. E tomei a rodovia. Ato arriscado!/

A moto toda apagada, constatei, esbaforido./
Até os faroletes, farol, tudo comprometido,/
mas trafegava em breu retinto no asfalto esburacado./



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Um parêntesis. - Sobre Tio Antônio, explano:/
bondoso, leal, de "Niquinho" apelidado,/
resplandecente simpatia, o nome propagado,/
espírita atuante, tradicional "miliciano"./

Três ou quatro vezes “juntado”, bom samaritano./
Uma delas, Marlene, amor seu, desbragado/
que morreu há uns 30, deixando-o amargurado./
Ela também, bondosa, ótimo ser humano./

E há uns quatro foi a vez do tio esclarecido/
esclarecer-se com o dogma tantas vezes recorrido./
E eu cá xingando a foice: demo desqualificado!/

Após sintetizar o afeto entre nós havido,

e o bom convívio nosso, certamente percebido,/
prossigo o enredo deste sonho atravancado./

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Pilotando ao léu em negrume soberano/
Na lassidão do conformismo ao óbito promulgado./
De repente assoma clarão aconchegado/
parecendo faróis de caminhão, salvo engano./

Por mais que tentasse não via veículo nem fulano,/
e a moto parecia parada, e “ele” também parado./
Tentava acelerar, aproveitar o bem, chegado,/
e
nada; imobilidade aumentando o desengano./

Mas era um sonho, lembrem-se. Eu, combalido,/
pensava estar parado, e sem fazer o menor sentido,/
percebia locomover-me no cenário amalucado./

Formávamos um minueto por deuses regido,/
a luz, intrépida a me guiar, clarão espargido./
Pausa: instantaneamente, muda o cenário lobrigado./

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Parecia serviço de saúde, simples, espartano,/
e no burburinho vejo Marlene com o filho abrigado,/
deitado numa cama com colchão corrugado;/
Ela, na cabeceira, a zelar pelo beltrano./

Mas havia outras pessoas, e… qual suserano!,/
velava também ao leito, rude olhar em mim fixado:

tio Niquinho!? Fiquei lívido, pasmo, assustado;
dei-lhe a mão e me pus a falar, tolamente acaciano:/

- “Lá em cima” é bom, Tio?, perguntei, entorpecido./
- Sim, responde em tom seco, solene, frígido,/
deixando-me ainda mais desconcertado./

Bruscamente desloca de mim o olhar ressentido,/
volve ao alto a face, corpo assustadoramente rígido/
e ora, altíssono: “Pai nosso que estais no céu, santificado...”./

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As pessoas em redor repercutiam o clamor puritano./
Menos eu, de costume e convicção desobrigado,/
cabeça baixa em reverência ao grupo empolgado,/
mais perdido que um marinheiro boliviano./

O despertar, então, faz cessar o enigma freudiano./
Calor e surrealismo me deixando empapado,/
e em dúvida se me faço um pessimista exaltado/
ou me torno entusiasta panglossiano./

Pois este mistério na superfície, emergido/
das brumas do cérebro incompreendido/
requer argúcia e perspicácia ao postulado:/

o tio etéreo agradecia a sorte do ser querido/
ou, sopesando meus pecados, entristecido,/
piedade a mim rogava ao Pai do Crucificado?/

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Embora toscamente alinhavado, meio liliputiano,/
meu relato é verdadeiro, sinto-me obrigado/
a ressalvar que é autêntico o fato, atemorizado/
de alguém julgá-lo pândega de um magano./

Também preciso explicar o jeito megalômano,/
o feitio empolado, pretensioso, rebuscado./
Por capricho quis fazê-lo assim, rimado,/
impondo-me ao desafio, sem viés camoniano./

Pois entendo que o verso deve ser haurido/
do íntimo dos poetas, a qualquer custo nutrido/
com a rima, alma do concerto afortunado./

Se um cântico sem refrão é inconcebido,/
sob pena de não ser o que podia ter sido,/
composições sem rima não absorvo de bom grado!/