Minha irmã Rita de Cássia (com a filha Priscila, na foto), que passa uma temporada em Recife, foi conhecer a Arena Pernambuco e torcer pelo Taiti, no dia 23/6, com sua filha Priscila, onde viram os ilhéus perderem para o Uruguai por 8 x 0.
Segundo ela, a Arena é realmente belíssima, majestosa, nababesca.
- Zé, meu irmão, até Listerine tem nos banheiros! -, contou ela com todos os pontos de exclamação.
Voltando no tempo, eu presenciei inúmeros jogos memoráveis no velho Maracanã. Entre centenas deles, a decisão do Brasileiro de 1980, quando o meu querido Urubu (Flamengo) papou o Galo (Atlético MG) à moda da casa, e em 1983, quando devorou o Peixe (Santos SP) à "estabefe" na conquista do tri.
Em 1980, eu e o mano Eduardo compramos os ingressos de arquibancada com bastante antecedência, mas cometemos o grave erro de no dia do jogo ansiosamente aguardado ficarmos prelibando, por demasiado tempo, umas e outras num barzinho das imediações do "Gigante do Mário Filho".
Às 16 h (o jogo começou às 17), quando aos trancos e barrancos entramos no estádio bufando de gente, já não havia um centímetro quadrado de espaço no lado reservado à torcida do Flamengo.
Fomos obrigados a ficar no do Atlético, mesmo assim imprensados de tal maneira, que uma bunda tinha de caber em 30 cm.
Euforia total, mas mesmo com a ebulição etílica, não nos escapou a prudência de fingir que torcíamos pelo Galo. Mó derrota!, como se diz hoje em dia.
Eis que, a paixão que tem razões que a própria razão desconhece, quase que nos encomenda ali mesmo ao Padre Eterno.
Quando Nunes abriu o placar, dois babacas ensandecidos lançaram-se no ar de punhos cerrados, gritando a plenos pulmões em meio a uma multidão de gente sentada, caras de decepção e de poucos amigos.
Farejando o perigo, eu e meu irmão, com aquele semblante de condenados à morte, gritamos em uníssono como se tivéssemos previamente ensaiado: Nãããooo. Gol do Flamengo, nãããooo. Zorra. Baralho. Tomate cru. Ponte que caiu.
Mas não teve jeito, e de certa forma demos sorte, porque a turba enfurecida nos pegou e arremessou ao léu, no ar, como estivadores em fila passando de mãos em mãos sacos de aniagem de 70 kg cada um, até que adentramos o navio, digo, à nossa torcida.
Aí, claro, fomos recebidos com hospitalidade, e como num gigantesco coração de mãe, conseguimos, Deus sabe como, um espaço para terminarmos de assistir ao jogo, ganho espetacularmente por 3 x 2 (detalhe: ao Atlético, bastava o empate).
Em 1983 a falta de grana é que nos pregou uma peça. Nojenta, catinguenta, diga-se. Quando logramos reunir o necessário, já era dia do jogão, e tudo o que conseguimos foram três ingressos para a geral, ainda assim das mãos de cambistas (nesse dia um outro irmão, Tadeu, estava junto).
Fomos de "geraldinos" mesmo (o comentarista de rádio, Washington Rodrigues, dizia que "geraldino" era usuário da geral, que assistia aos jogos em pé, e "arquibaldo", de arquibancada, sentadinho no concreto armado). E lá embaixo ficamos à mercê dos arquibaldos em cima, e de seus copos descartáveis de chope, que também serviam de mictório.
Cruz em credo, sabem onde os fdp esvaziavam os dito-cujos cheios de urina? Sim, nas nossas cabeças!
Nada, porém, foi capaz de tirar a alegria dos três gols a zero implacavelmente enfiados nas redes santistas por aquele time de pura magia de Zico, Leandro, Adílio, Andrade e do maestro Júnior! (O Flamengo precisava vencer por dois gols de diferença).
Hoje, minha irmã tem o prazer de assistir a um jogo em cadeiras numeradas e perfumar a boca com Listerine nos banheiros da Arena. Impossível ficar espremida como sardinha em lata, e tomar banho de urina, never forever.
Enquanto isso, a Saúde Pública brasileira é a desgraceira que vivenciamos dia a dia. Aqui em Bom Jesus do Norte sequer há gaze para curativos nas unidades de saúde (vide o post anterior).
E não é prerrogativa somente da minha cidade. Neste país de incríveis contrastes, a massa nos estádios de futebol exala hálito coletivo perfumado por Listerine, enquanto que a massa doente exala o bafo pútrido oriundo da sacanagem política!
Mais incrível é a incapacidade dessa ralé incompetente e arrogante sair do transe em que se faz aprisionada pelo marketing mentiroso, de modo a entender as razões de tão gigantescas manifestações, como as de junho.
Patéticas, humilhantes, vergonhosas as caras de espanto dos ladravazes da dignidade e da esperança
Autor: José Henrique Vaillant