Eu lhe
respondi "temos de perseverar", pensando nos obstáculos
que a dita-cuja enfrenta para fincar raízes mais profundas na
incrível superficialidade comportamental
de então.
A Cultura, definida
como tudo o que resulta da criação humana passa por sérios
reveses. Se por exemplo o Big
Brother da TV Globo é resultante
da criação humana, então pode-se afirmar que Big Brother é Cultura.
Logo, Cultura também é o ridículo, o baixo nível, a apelação, o
egocentrismo, a fogueira das
vaidades.
A obtusidade
no Brasil atual alcançou nível inacreditável. A instantaneidade da
informação, em vez
de melhorar o nível cultural parece estar promovendo efeito inverso.
Com a Internet, ninguém precisa "saber nada", basta saber
procurar. Apertam-se algumas teclinhas..., e pronto: já
estou culto.
O ensino superior no
Brasil, de uma maneira geral, está “supletivizado”,
“mobralizado”, “projetominervalizado”, isto é, exercido
perfunctoriamente, de
modo ligeiro, superficial.
Nunca, jamais, em tempo algum o diploma
foi tão banalizado, a obtusidade tão diplomada, a ignorância tão
“com olhos de cigana oblíqua e dissimulada” como a Capitu, de
Machado de Assis.
Há
muito venho recebendo reprimendas de alguns leitores, censuras ao
“vocabulário elaborado”, como um que
colocou
nestes termos, educadamente, para não ir direto ao ponto,
deselegantemente, de que
quero
parecer erudito, o que definitivamente não sou.
Uma
comerciante bom-jesuense-do-norte, dia
destes, me falou baixinho, quase sussurrando, cheia de dedos, que
temia dizer – e
já dizendo, que escrevo coisas interessantes mas uso algumas
palavras difíceis... Tinha receio de que eu, em represália, parasse
de entrar em seu
estabelecimento!
Receio
infundado, até
por sua simpatia e qualidade dos produtos que comercializa.
Um
pouco chateado, sim, fiquei,
não pela repreensão, mas pelo nível cultural que ela revela,
sendo eu não mais que mediano em Português (honestamente, sem falsa
modéstia).
Acontece
que os textos jornalísticos não podem reproduzir integralmente a
linguagem falada, até porque o papel – mais as telas, hoje em dia
-, não reproduzem os trejeitos e demais expressões corporais que
potencializam ou suavizam a mensagem oral.
Além
disso, como se aprende em qualquer curso de Comunicação no primeiro
dia de aula, tudo o que se deseja expressar tem
um vocábulo adequado. Se quero escrever “ele é uma pessoa que só
admite existir no mundo princípios antagônicos e irredutíveis, só
o bem e o mal”, digo que ele é maniqueísta, economizando aí umas
20 palavras, uns 80 caracteres.
São desejos
duplamente injustos. Diria
até, perversos: 1) os mais instruídos terão de descer ao nível
dos menos; 2) desmotiva-se, desestimula-se
a luta pelo progresso cultural, que é o
passaporte da cidadania. Qualquer
semelhança com o Brasil político atual..., não
é mera coincidência!
Felizmente ninguém
até hoje se queixou de não ter entendido perfeitamente o teor de
meus textos. Melhor:
os que confessam
admirar minhas mal-traçadas
são em número bem maior dos que querem mutilar, humilhar, reduzir à
míngua o idioma.
Semelhante ao Russo
de Vladimir Nabokov,
nosso belíssimo Português propicia-nos
mais provisão de acessórios,
"o espelho de truques, o pano de fundo
de veludo preto, as tradições e associações implícitas — de
que o ilusionista local, com as abas do
fraque a voar, pode valer-se magicamente
a fim de transcender tudo o que lhe chega como herança".
Temos de perseverar!
Autor: José Henrique Vaillant
Autor: José Henrique Vaillant