TEST

Drop Down MenusCSS Drop Down MenuPure CSS Dropdown Menu

21 de abr. de 2013

Renegado otimista

O otimista exacerbado e resignado, além de chato é um inútil,  na medida em que nada questiona, pois para ele tudo está bom; se melhorar, estraga. 

Bonjesino, ao avistar-se comigo certa feita, confirmou-me a impressão que tenho desse raro espécime:

- E aí chefia? E a vida?



- Nada boa, Bonjesino, nada boa.  Você sabe... Problemas... problemas..., além da tristeza pela morte do Tim, do Frank Sinatra, e agora do Leandro.

- Seu problema, chefia, é que você só olha o lado negativo das coisas. Tente encarar pelo lado bom.

- Mas o que pode haver de positivo na morte desses grandes artistas?

- A banda, chefia, a banda. O homem deve estar querendo formar uma banda.

- Que banda? Que homem?

- São Pedro, ora. E pelo visto será bem eclética, numa bela mistura de ritmos. Esse São Pedro...! Com certeza não os chamou à toa.


- É sério, Bonjesino. Estou triste pela morte deles, mas também muito preocupado com outra coisa. 

Minha mulher tomava aquele remédio contraceptivo oral, o tal do Microvlar, que o Laboratório Schering estava falsificando com farinha de trigo. 

Faz quase dois meses que a menstruação não veio, e não quero nem olhar o resultado do exame. Vai ser foda se vier outro bacuri nesta altura do campeonato!

- Deixa de heresia. Se Deus resolveu lhe dar mais um, ou dois, quem sabe três de uma só tacada, você tem que aceitar numa boa agradecendo pelo privilégio, e não ficar aí se lamentando feito uma puta arrependida.

- No dos outros é refresco, né Bonjesino? Isola! Sabe quanto custa um pacote de fraldas? 

E a cada dia que passa as coisas vão ficando mais difíceis.

Falta o dinheiro, sobra o desemprego. 

Você tem visto a galera que vem aparecendo no horário político? Cada figura de arrepiar os cabelos!

- Deixe de maledicências. Nossa classe política é o que há de mais nobre, digna e honesta em toda a face da Terra. O Brasil será a maior nação do mundo nas mãos destes abnegados.

- Sei. Este é o discurso inclusive dos componentes da fina flor da malandragem. 

Alguns deles, quando aparecem na telinha, sinto um arrepio de pavor e levo instintivamente a mão ao bolso. 

Mas não passa de reflexo condicionado da época em que eu tinha algo a perder. Hoje os bolsos só andam vazios...

- Chefia, desculpe, mas tenho que ir, disse com ar enfadonho e visivelmente contrariado, completando: 

 - Pessoas como você não têm escapatória. Jamais conhecerão a verdadeira felicidade, arrematou com um seco e formal boa-noite, girando nos calcanhares em suas surradas sandálias Havaianas cujas tiras eram sustentadas por pequenos pregos trespassados no solado, tomando a direção do barraco de dois cômodos.

Conhecedor dos seus hábitos, eu sabia que antes ele passaria no armazém para comprar querosene para a lamparina, tomaria uma purinha e talvez desse uma filada na TV do Arnoldo e assistisse um pouco ao programa do Ratinho. 

Ou então dirigiria-se ao portão da Dona Noêmia e curtiria, de longe, algumas melodias do SPC ou Negritude Júnior, e com um pouco de sorte talvez a velha pusesse para tocar alguma do Claudinho e Buchecha, seus artistas preferidos. 

E depois repousaria seu corpulento esqueleto no desgastado catre, pensando na esposa que havia fugido com outro, aguardando o clarear do dia para a rotineira jornada de trabalho no ofício de roçador de pasto free-lance.

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em junho/1998