E a cena se repete. Sob a influência do estarrecimento, discutem-se atabalhoadamente medidas inócuas de combate ao crime, procuram-se fórmulas mirabolantes, pensamentos concatenam-se de maneira febril para encontrar a saída, mas a cegueira não permite admitir que só há uma única via, propalada quase sempre de forma hipócrita e dissimulada, que tem o nome de justiça social.
Prometida sempre, mas jamais parida, sua ausência sedimentou uma escalada tão brutal da violência que a ela já não mais fazem frente carros blindados, seguranças fisiculturistas armados até os dentes, cercas eletrificadas, ferozes cães de guarda e toda a parafernália eletrônica.
Emergindo dos guetos e da promiscuidade, cenários onde era restrita, a violência ganha o asfalto e se mobiliza contra as classes sociais que mais a fomentam, mesmo de forma inadvertida e não deliberada, uma espécie de criatura que se volta contra o criador.
A burguesia brasileira não é melhor nem pior que as de todo o mundo. É mais bronca e estúpida, porém, porque pela sensibilidade toldada custou a perceber os clamores a cada dia mais intensos da imensa parte excluída, o que inibiu a noção do grande perigo que a ronda diuturnamente.
Em países mais desenvolvidos, a elite já percebeu de há muito que não é inteligente comer tudo e deixar os pobres famintos, e por conseguinte, raivosos.
No Brasil, 10% da sociedade detêm 50% da renda nacional. Em nenhum país do mundo a concentração é tão brutal. Em Ruanda, por exemplo, os 10% mais ricos abiscoitam 25% e até na Tailândia o número não passa de 37%.
A virulência das desigualdades sociais no Brasil é mais perversa quando se sabe que uma grande parcela dos miliardários adquiriu sua riqueza na "mão grande" mesmo, tirando literalmente a merenda da boca das crianças, o remédio da turba adoentada e todo e qualquer arremedo de avanço social.
Não é de estranhar, portanto, o nível astronômico da violência que nos assola. Muitos dos que estão na vivenda do crime o fazem por absoluta falta de opção, pela mera necessidade de cavar o seu sustento.
Não é de estranhar, portanto, o nível astronômico da violência que nos assola. Muitos dos que estão na vivenda do crime o fazem por absoluta falta de opção, pela mera necessidade de cavar o seu sustento.
Não há emprego no país, já que os investimentos jamais contemplam programas de desenvolvimento. Eles vão direto para a especulação, para o ganho fácil, em última análise bancado pela miséria.
Os parcos recursos de tímidos programas dito sociais, invariavelmente vão engordar a conta bancária dos privilegiados. Jamais chegam a quem deles realmente necessita.
Esse negócio de dar R$ 15 reais de esmola para o filho frequentar o colégio (e gerar publicidade estonteante do governo) é o cúmulo da desfaçatez!
Não haveria chance de o chefão do crime arregimentar jovens nas favelas se estas não existissem.
Não haveria chance de o chefão do crime arregimentar jovens nas favelas se estas não existissem.
Não haveria a necessidade de o cidadão obter seu sustento de forma criminosa se o pudesse fazer de forma legal.
Claro que o crime sempre existiu e sempre existirá. Mas da forma como ocorre no Brasil e noutras repúblicas onde um único banqueiro abocanha os recursos que calaria a fome de milhões, não poderia ser mais ameno!
Os recentes assaltos e sequestros sofridos por pessoas notórias, da fina flor social brasileira, e até a morte de personalidades são sinais apavorantes de que a ruptura de uma convivência harmoniosa está ocorrendo de forma medonha.
A elite está percebendo, a fórceps, que a indignação pela estarrecedora injustiça social está pulando seus muros e exigindo retratação urgente, com a cara da violência fitando com rebeldia o tubo de ensaio grandemente responsável pelo exagero de sua escalada, instaurando o terror e a desgraça sem piedade nem clemência.
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em fevereiro/2001