Apenas duas lágrimas furtivas me traíram a emoção no dia da inauguração da nova Praça Astolfo Lobo, em Bom Jesus do Norte.Neste dia comemoravam-se também os 500 anos do descobrimento (ou achamento, como queiram) do Brasil.
Ainda não alcancei os cinquentinha, uma idade que parece convencionada pelo inconsciente coletivo como exatamente o meio da caminhada de nós, mortais.
Ainda não alcancei os cinquentinha, uma idade que parece convencionada pelo inconsciente coletivo como exatamente o meio da caminhada de nós, mortais.
Tenho "só" 46 e ainda não dobrei, portanto, a curva descendente que me tornará ao pó (assim espero), mas mesmo com tão parcas primaveras ainda peguei um tiquinho de noções cívicas e ufanismo pela pátria, ensinados pelas escolas aos infantes de minha geração.
Naqueles belos tempos, de gostosa nostalgia (assumo), como era empolgante perfilar em posição de sentido, com o peito estufado de brios e altivez, a mão postada e a contemplação do hasteamento do "Salve lindo pendão da esperança" por um dos colegas (emoção e glória supremas quando era eu o escalado para hasteá-lo) ao som do glorioso Hino Nacional.
Naqueles belos tempos, de gostosa nostalgia (assumo), como era empolgante perfilar em posição de sentido, com o peito estufado de brios e altivez, a mão postada e a contemplação do hasteamento do "Salve lindo pendão da esperança" por um dos colegas (emoção e glória supremas quando era eu o escalado para hasteá-lo) ao som do glorioso Hino Nacional.
Era realmente lindo, momentos de magia para o coração e a alma de uma criança que aqueles rituais puros, verdadeiramente sinceros e subliminares de amor ao torrão filial deixaram marcas indeléveis que nem mesmo o neoliberalismo no nefando molde que aí está conseguirá apagar definitivamente.
Fiz este preâmbulo com o intuito de revelar a mim mesmo donde se originou a ignição que impulsionou estas lágrimas represadas pela brutal realidade.
Fiz este preâmbulo com o intuito de revelar a mim mesmo donde se originou a ignição que impulsionou estas lágrimas represadas pela brutal realidade.
Elas vieram de um cantinho nos recônditos da alma que ainda não se fecharam de todo para a esperança, e a chave que acionou a explosão veio na poderosa voz do senhor Ederaldo do Carmo, que naquele momento interpretava com um bonito estilo próprio o Hino Nacional Brasileiro.
Naqueles breves instantes esqueci as mazelas de minha pátria-mãe; ignorei que meu presidente não sabe sequer entoar a canção-símbolo de seu país, muito menos intimidar bombas, fuzis e cassetetes que barravam a entrada dos verdadeiros donos da festa;
Refreei minha indignação claudicante, mas ainda viva, de contemplar o acinte do deputado Luis Antônio Medeiros limpando a boca no Pavilhão Nacional, com transmissão via satélite para quem quisesse ver;
Enevoou-se minha percepção da ridícula demagogia dos vereadores paulistas - muitos dos quais ratos que pularam do navio naufragado pelo desastrado capitão Pitta -, dando-se as mãos e afrontando o Hino-pátrio numa pseudocomemoração pela aprovação do processo de impeachment do chefe de sua própria gangue, salvo exceções.
Duas lágrimas. Sentidas. Mas antes que se tornassem copiosas tornei à realidade. Uma realidade cruel, infamante, onde milhões de brasileiros vivem como náufragos à deriva na réplica da Nau Capitânia, afundada antes de zarpar numa analogia casual cruamente realística do Brasil.
Duas lágrimas. Sentidas. Mas antes que se tornassem copiosas tornei à realidade. Uma realidade cruel, infamante, onde milhões de brasileiros vivem como náufragos à deriva na réplica da Nau Capitânia, afundada antes de zarpar numa analogia casual cruamente realística do Brasil.
A sensação é de vazio, o sentimento, de fracasso. Sou, somos, quase todos, rejeitados pela pátria-mãe. Ela privilegia os latifúndios e não nos fornece ao menos um pedacinho de terra onde possamos cair mortos, entendendo aí a terra propriamente e também figurativamente;
Seu marajanato é nutrido com a seiva impiedosamente desprendida de nossos âmagos. Somos uma manada fustigada pelo vil garrote do estrangeiro por intermédio de seus prepostos despersonalizados, gerados em teu próprio ventre, mãe.
Mãe, deixe-me chorar de alegria e emoção pelo sonhado reencontro aos teus seios com mais amores.
Sê justa, embala-nos no mesmo regaço onde aninhas os poucos incluídos que nos torturam com o riso das hienas.
Aí então, mãe, repetindo o poeta, eu chorarei de amor tão docemente, que todo o mundo pensará que eu canto.
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em maio/2000