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2 de abr. de 2013

Além e aquém das sandálias. Ou, político é personagem pública que adora ser paparicada mas detesta ser criticada

Em Bom Jesus, dia destes, um político do lugar dirigiu-se a um cidadão militante na imprensa local que participava de um evento público e, possesso, olhos esbugalhados, chamejantes, disparou com o indicador em riste:

- Não quero mais ver meu nome nesse jornal de merda, entendeu?


Ainda mais recentemente, também em Bom Jesus, outra personalidade política abordou esse mesmo militante dizendo em alto e bom som a respeito de assunto outro publicado:

Não gostei do que escreveram aí, viu?

Para que o leitorado se situe e franza as sobrancelhas até o topo de seus crânios calvos ou hirsutos, as reações intempestivas foram inteiramente despropositais.

Apenas porque o jornal em questão não é do tipo engajado, não lhes bate continência.

Num dos casos uma pequena nota de pé de página sem teor acusatório, calunioso, injurioso ou difamatório.

Noutro, uma informação de amplo domínio público, ainda assim desprovida da mais tênue conotação tendenciosa.

O caso é que os que se julgam donos do pedaço, das almas, dos corações e das mentes do distinto público estão mal acostumados, só se satisfazem com as veiculações noticiosas explicitamente favoráveis.

Neutralidade para essa gente é conspiração, e informes de interesse do povo tem de sobretudo ser bom para ela, equação às vezes impossível até para Einstein.

Existem órgãos de imprensa bons e ruins, jornalistas, médicos, políticos, tratadores de calos e unhas encravadas honestos e desonestos, sérios ou pilantras.

Mas também existem leis e quem se disponha a aplicá-las para impor limites a esse maniqueísmo intrínseco dos humanos.

Quando um cidadão (político principalmente) tenta tomar na marra o desagravo a um pretenso ultraje, desprezando as leis e a Justiça, das duas, uma: ou reconhece não ter razão ou acredita ser ele a própria Justiça, reflexo condicionado do poder sem limites tal qual o dos monarcas medievais.

Fazer jornalismo de boa qualidade em cidades pequenas não é bom para a saúde, é atividade insalubre.

Andando de botina entre os cristais é necessário ir algodoando suscetibilidades sempre à flor da pele, comunicando-se preferencialmente por metáforas e sofismas e em certos casos usando até um pouco de dissimulação para evitar desgastes que não existiriam se o “noticiado” nem digo valorizasse (seria querer muito), mas respeitasse o papel do noticiante.

É corrente, mas falsa, a percepção de que profissionais da imprensa em muitos desses lugares são desinformados; o que lhes falta na realidade é chão para pisarem.

Observa-se que hegemonicamente em cidades de pequeno porte não há opositores praticantes aos regimes, parece tacitamente acordado que de quatro em quatro anos grupos se engalfinhem na mais renhida arenga, no vale-tudo até mesmo abaixo da linha da cintura em circunstanciais escaramuças.

Depois, cada qual a seu canto, satisfeitos ou conformados no quadriênio. E na modorra de debates, cobrança, fiscalização e sugestões a imprensa exerce, ou deveria exercer, papel tão importante.

Na maioria das vezes o desagrado de um está interligado ao interesse de todos.

Quando um cidadão vir um político se exacerbar por conta de uma matéria noticiosa, e se não houve erro, má-fé ou isenção do veículo informativo, pode colocar as barbas de molho porque sua cidadania está em jogo.

Político, como artista, é personagem pública e, por isso, notícia (de forma mais que especial nos pequenos lugares onde fatos noticiosos rareiam), que é a matéria-prima do jornalismo.

Faz parte do jogo estar em evidência porque é para isso que luta com tanto ardor e se fascina pelas urnas.

Perde, sim, um pouco da privacidade, o que é absolutamente normal, mas não pode e não deve se sentir uma diva ultrajada quando o noticiário lhe é desfavorável.

Se não quiser se submeter a essa regra das mais elementares, procure outra coisa para fazer.

Algumas pessoas públicas, quando no poder, esquecem o ideal democrático e passam a se considerar imperadores absolutistas.

Precisamos combater isso e cabe a nós da imprensa majoritariamente essa obrigação.

É necessário desancar de uma vez por todas o primitivismo da relação políticos x imprensa.

É imperativo para o interesse público que os primeiros desvencilhem-se do anacronismo de confundir crítica construtiva com militância ideológica ou partidária, como também é absolutamente imprescindível que o segundo seja honesto nos princípios de laborar para a causa pública e não para o homem público.

Infelizmente essa relação de amor e ódio, essa radicalização do 8 ou 80 sem dar lugar à virtude do meio tem muito de nossa culpa, é necessário admitir.

Se alguns de nós não evoluímos os nossos conceitos no modo de exercermos a nobre atividade midiática, como podemos exigir que evoluam na política?

Quantos de nós jornalistas ou parajornalistas confundimos prestação de serviços com favores pecuniários, mendigando o dê cá aquela palha em troca do silêncio obsequioso para as coisas obtusas ou da pirotecnia redacional nos assuntos positivos?

Precisamos rediscutir essa relação, inculcarmos em nosso próprio íntimo valores nobiliárquicos merecidos à nossa atividade, para que se espraiem com legitimidade tal que sejam capazes de alterar os conceitos de outrem ao que fazemos.

Homem público verdadeiramente comprometido com a sua cidade, sua região e seu país, que se preocupa honestamente com o desenvolvimento intelectual e material de sua gente, sabe do papel coadjuvante dos mais indispensáveis que a imprensa exerce para isso.

E esse raro espécime deveria prestigiar os órgãos de informação ainda que lhe causem eventualmente dissabores porque isso é cláusula pétrea da democracia.

É assim filosoficamente no New York Times, no France Press, no Pravda, na Folha de São Paulo, na Rádio BBC de Londres, nos sites e nas TVs; e é assim que deveria ser no Diário dos Cafundós ou na Rádio Boas Falas.

Não deveria constar que Mrs. Bush, Le Pen, Putin, Blair, Lula e outros comprem espaços com verbas públicas para enaltecerem seus méritos pessoais e/ou neutralizarem a repercussão de suas mazelas.

Governar é também informar, prestar constas, suscitar o debate, mostrar atos e ações de forma profissional consoante a modernidade da era.

Qualquer criança de jardim de infância observaria que nossa habilidade nesse interregno só é comparável à da Vênus de Millo jogando basquete.

Nossa auto subdesvalorização é a cúmplice de tudo, desde o histórico desdém ao nosso trabalho, considerado mero item na estatística do assistencialismo sujeito a corte se a linha editorial não se mantiver submissa ao coronel da hora, até ao destampatório na iminência das vias de fato.

Ainda não se tem conhecimento de que neste Sul Capixaba e Noroeste Fluminense algum jornalista haja engrossado as estatísticas que fazem a ONG “Repórteres Sem Fronteiras” sempre incluir o Brasil onde há grande risco no exercício da profissão, pouco abaixo da Colômbia e da Rússia, países onde ser jornalista é quase o mesmo que possuir um atestado de óbito em vida.

Contudo, não podemos nos acomodar nessa trincheira defensivista, mandando às favas a consciência do que devemos ser para a coletividade, um dos condutores ao aprimoramento da espécie humana.

Eles não podem ir além das suas sandálias, e nós não devemos ficar aquém das nossas.

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em junho/2006