“O BRASIL ESTÁ DE OLHO...! É o que diz a campanha publicitária oficial contra a exploração sexual de crianças no país, crime perverso e covarde a consternar toda a sociedade e que desnuda de forma crua a violenta injustiça social que nos assola. Um grande olho humano ilustra o cartaz.
O Brasil está de olho, mas a visão está deturpada pelo astigmatismo que o leva a formular débeis tentativas de combater apenas o efeito e não a causa desta calamidade.
Há que se debruçar no cerne da questão, na célula-máter desta infecção que se insinua de forma voraz e atinge milhões de vítimas com seu efeito devastador.
A sociedade não pode, jamais, perder a capacidade de se indignar com esta prática hedionda, havendo de censurar enfaticamente as camarillas farsantes que se revezam há decênios em Brasília, e que nada fazem a não ser criar programas sociais caricatos e de enfoques eleitoreiros.
Esses impostores jamais vão ao âmago da questão porque não lhes interessa conviver com um povo sadio e instruído, para que não desenvolvam a capacidade de desmascarar seus embustes apeando-os do poder que lhes seduz arrebatadoramente.
O olho é míope porque não vê, ou melhor, finge, que o que leva uma criança a se prostituir é a fome, não somente aquela que força seu estômago a roncar diuturnamente, como também a de Educação, de Saúde, de Justiça Social.
Este olho, hipermetrópico pela indolência em olhar as necessidades básicas da maioria da população, transforma-se numa rapidez vertiginosa em olho de lince para enxergar na escuridão e trevas das injustiças os interesses obscuros e amorais de uns poucos.
Estes desmandos, olho omisso, resultaram na infecção que a imprensa diagnosticou. Se você não fosse tão frio e impenetrável, talvez tivesse perscrutado que a vontade de saborear um bife ou o desejo de possuir uma boneca é que leva uma menina ainda impúbere a vender seu corpo imaturo por 5 ou 10 Reais.
Você, olho cruel, não tem condescendência nem com a infância, vítima inocente do seu arbítrio, por isso é o maior culpado por essa infâmia.
E não me venha agora dar uma de arrependido, de diligente. Ou terá sido porque a situação chegou a tal ponto que se tornou necessário dar uma satisfação?
Ou ainda, terá lhe doído realmente um pouquinho quando tocaram nesta ferida que jamais cicatriza, como de resto todas as outras chagas que, de tão intensas, lhe escapam ao controle?
Há de se combater, sim, olho incompetente, a concupiscência degradante de adultos degenerados com seres tão pequenos. Não se pode contemporizar com estes pervertidos que abusam, seviciam, corrompem, achacam e estupram nossas crianças.
Mas a cura definitiva compete a você, olho impassível, lograr êxito. Quando houver vontade política você, com certeza, tirará os infantes dos meios promíscuos em que vivem, dando-lhes alimento, saúde, educação e lazer.
Só assim não terão de trocar sua chupeta por alguns trocados conseguidos através da oferta em holocausto do seu pequeno corpo em desenvolvimento.
Livre-nos deste flagelo, olho roxo. Talvez ainda haja tempo para você curar o trauma que este soco violento lhe causou!
Autor: José Henrique Vaillant - agosto/2001