Abaixo vai um texto que fiz em 1998 em desagravo à patrulha ideológica que não deixava eu pitar sossegado o meu cigarrinho.
Mas ressalto que desde o início deste 2013 não coloco um maldito na boca. Parei, deveras e de Ana Maria, como dizia um velho conhecido (doido de jogar pedra, mesmo, em sentido literal), inconformado que só Veras tinham direito a assentarem como advérbio nos dicionários.
Parei, até porque, prestes a conquistar a prerrogativa de ficar isento de mofar em filas de bancos, o tabaco começava a ameaçar seriamente de levar-me ao encontro tete-a-tete com São Pedro, de maneira odiosamente compulsória e, quero acreditar, prematura, - já que pretendo ir no mínimo aos 100.
Estou usando pastilhas de nicotina, que me ajudam pra burro. Mas temo estar me viciando nelas também, ai de mim!
Ao texto:
Como é chato um ex-fumante patrulhador do vício alheio! Dia desses estava eu dando o rotineiro trato aos pulmões, saboreando com sofreguidão as delícias químicas do meu bagulho, Derby, quando sou interrompido abruptamente em meus devaneios nicotínicos pela visita - antes agradável, ora nem tanto - de um amigo (que dou aqui o pseudônimo Fausto) , um ex-fumante inveterado, convertido agora num ferrenho naturalista e militante xiita das campanhas antitabagistas.
Ao ver-me refestelado no sofá com um cigarro entre os dedos, não conteve uma expressão de espanto, e com ar profético disparou, apontando-me agressivamente o indicador:
- Com mil caveiras! Sabes que estás morrendo aos poucos, imbecil?
Pego assim meio de supetão, ameacei esboçar um tímido protesto, neutralizado de imediato por uma torrente de velhos chavões e conselhos estereotipados:
- Apagas essa ideia! Hoje tu o acendes, amanhã ele te apagas! Sabes qual o destino dos suicidas?
Sim, tu és um suicida em potencial e contigo ainda serão arrastados para o túmulo o teu filho e a tua mulher, vítimas inocentes e passivas da tua fumaça criminosa, discursava com gestos teatrais!
E continuava com seu discurso apocalíptico, aterrador:
- Sabes o que significa um pulmão com enfisema, um enfarto do miocárdio, um sistema respiratório comprometido?
- Mas...
- Nada de mas, matou no nascedouro outra tentativa de protesto, e continuou com o monólogo contundente.
- Além disso, panaca, fumar hoje em dia é demodé, é pagar mico. Sem contar a perda de dinheiro, de paladar, de olfato, pele seca, rugas prematuras...
Posso falar?
Fingiu que não ouviu e continuou, senhor de todos os palcos.
- E o bafo? Argh! Tua mulher aguenta? Paras, Zéinrique, enquanto tens tempo. Faças como eu, jogues fora este maço e nunca mais acendas um cigarro. Sentirás até na cama uma magnífica melhora no desempenho!
Definitivamente suas palavras me deixavam deprimido. Não bastassem os dissabores que sofre um fumante dos tempos modernos, discriminado de todas as formas, ainda ter de engolir falatório unilateral de um abelhudo!
Então resolvi dar um basta naquela conversa chata e desabafei, radicalizando:
- CHEGA! Deixe-me em paz com meu cigarro! Pelo que sei ainda não proibiram fumar em nossa própria casa, e além do mais, não estou convencido que parar é tão bom como falas.
Dei uma respirada e levantei a mão espalmada para interromper um princípio de reação, e continuei:
- Tua ex-mulher mesmo anda comentando por aí que te deixou porque já não aguentava mais o teu nervosismo depois que parastes de fumar. E alfinetei ainda mais fundo:
- E pelo que ela anda dizendo, a tua disposição na cama não ficou redobrada coisa nenhuma. Ao contrário, ela disse que arrefeceu! Sera que é porque engordastes tanto? Ou a síndrome de abstinência foi tão violenta a ponto de fazer-te mudar de preferência? Olha que já andam falando por aí...
Bem, depois dessa, nunca mais vi o Fausto, mas dizem tê-lo encontrado no consultório de um famoso urologista tentando, entre outras coisas, uma receita de Viagra.
E dizem também que voltou a fumar. Dobrado!
Em tempo:
Não por ser pernóstico ou coisa parecida, desejando aos outros o mesmo mal que o cigarro me causa. Ao contrario, é por solidarizar-me com um companheiro de vício que sofre momentaneamente com a ausência da fumacinha sinistra é que sempre dou cigarros a um filante, com prazer.
Só não deixo de observar com ironia o mote de quase todos eles, que usam a redundância quase como uma desculpa para a filada:
- Me dá um cigarro do teu?
Tenho vontade de responder:
- Vou dar-te mesmo um do meu, pois se não fosse poderiam acusar-me de roubo, furto, apropriação indébita; e a tu, de receptador.
Em tempo 2
Faz mal, e muito, o cigarro! Sei que é possível deixá-lo. Mas só quando a determinação em fazê-lo for maior que a fissura em consumi-lo; quando o respeito à própria vida suplantar as fraquezas pelo vício.
Oxalá eu possa um dia deixá-lo, e vocês, amável leitor, graciosa leitora, tentem.
E você, que nunca usou, não caia na cilada de experimentá-lo nem de brincadeira!
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em agosto/1998
Mas ressalto que desde o início deste 2013 não coloco um maldito na boca. Parei, deveras e de Ana Maria, como dizia um velho conhecido (doido de jogar pedra, mesmo, em sentido literal), inconformado que só Veras tinham direito a assentarem como advérbio nos dicionários.
Parei, até porque, prestes a conquistar a prerrogativa de ficar isento de mofar em filas de bancos, o tabaco começava a ameaçar seriamente de levar-me ao encontro tete-a-tete com São Pedro, de maneira odiosamente compulsória e, quero acreditar, prematura, - já que pretendo ir no mínimo aos 100.
Estou usando pastilhas de nicotina, que me ajudam pra burro. Mas temo estar me viciando nelas também, ai de mim!
Ao texto:
Como é chato um ex-fumante patrulhador do vício alheio! Dia desses estava eu dando o rotineiro trato aos pulmões, saboreando com sofreguidão as delícias químicas do meu bagulho, Derby, quando sou interrompido abruptamente em meus devaneios nicotínicos pela visita - antes agradável, ora nem tanto - de um amigo (que dou aqui o pseudônimo Fausto) , um ex-fumante inveterado, convertido agora num ferrenho naturalista e militante xiita das campanhas antitabagistas.
Ao ver-me refestelado no sofá com um cigarro entre os dedos, não conteve uma expressão de espanto, e com ar profético disparou, apontando-me agressivamente o indicador:
- Com mil caveiras! Sabes que estás morrendo aos poucos, imbecil?
Pego assim meio de supetão, ameacei esboçar um tímido protesto, neutralizado de imediato por uma torrente de velhos chavões e conselhos estereotipados:
- Apagas essa ideia! Hoje tu o acendes, amanhã ele te apagas! Sabes qual o destino dos suicidas?
Sim, tu és um suicida em potencial e contigo ainda serão arrastados para o túmulo o teu filho e a tua mulher, vítimas inocentes e passivas da tua fumaça criminosa, discursava com gestos teatrais!
E continuava com seu discurso apocalíptico, aterrador:
- Sabes o que significa um pulmão com enfisema, um enfarto do miocárdio, um sistema respiratório comprometido?
- Mas...
- Nada de mas, matou no nascedouro outra tentativa de protesto, e continuou com o monólogo contundente.
- Além disso, panaca, fumar hoje em dia é demodé, é pagar mico. Sem contar a perda de dinheiro, de paladar, de olfato, pele seca, rugas prematuras...
Posso falar?
Fingiu que não ouviu e continuou, senhor de todos os palcos.
- E o bafo? Argh! Tua mulher aguenta? Paras, Zéinrique, enquanto tens tempo. Faças como eu, jogues fora este maço e nunca mais acendas um cigarro. Sentirás até na cama uma magnífica melhora no desempenho!
Definitivamente suas palavras me deixavam deprimido. Não bastassem os dissabores que sofre um fumante dos tempos modernos, discriminado de todas as formas, ainda ter de engolir falatório unilateral de um abelhudo!
Então resolvi dar um basta naquela conversa chata e desabafei, radicalizando:
- CHEGA! Deixe-me em paz com meu cigarro! Pelo que sei ainda não proibiram fumar em nossa própria casa, e além do mais, não estou convencido que parar é tão bom como falas.
Dei uma respirada e levantei a mão espalmada para interromper um princípio de reação, e continuei:
- Tua ex-mulher mesmo anda comentando por aí que te deixou porque já não aguentava mais o teu nervosismo depois que parastes de fumar. E alfinetei ainda mais fundo:
- E pelo que ela anda dizendo, a tua disposição na cama não ficou redobrada coisa nenhuma. Ao contrário, ela disse que arrefeceu! Sera que é porque engordastes tanto? Ou a síndrome de abstinência foi tão violenta a ponto de fazer-te mudar de preferência? Olha que já andam falando por aí...
Bem, depois dessa, nunca mais vi o Fausto, mas dizem tê-lo encontrado no consultório de um famoso urologista tentando, entre outras coisas, uma receita de Viagra.
E dizem também que voltou a fumar. Dobrado!
Em tempo:
Não por ser pernóstico ou coisa parecida, desejando aos outros o mesmo mal que o cigarro me causa. Ao contrario, é por solidarizar-me com um companheiro de vício que sofre momentaneamente com a ausência da fumacinha sinistra é que sempre dou cigarros a um filante, com prazer.
Só não deixo de observar com ironia o mote de quase todos eles, que usam a redundância quase como uma desculpa para a filada:
- Me dá um cigarro do teu?
Tenho vontade de responder:
- Vou dar-te mesmo um do meu, pois se não fosse poderiam acusar-me de roubo, furto, apropriação indébita; e a tu, de receptador.
Em tempo 2
Faz mal, e muito, o cigarro! Sei que é possível deixá-lo. Mas só quando a determinação em fazê-lo for maior que a fissura em consumi-lo; quando o respeito à própria vida suplantar as fraquezas pelo vício.
Oxalá eu possa um dia deixá-lo, e vocês, amável leitor, graciosa leitora, tentem.
E você, que nunca usou, não caia na cilada de experimentá-lo nem de brincadeira!
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em agosto/1998