TEST

Drop Down MenusCSS Drop Down MenuPure CSS Dropdown Menu

25 de fev. de 2013

Torcedor atormentado; ou, seguro morreu de velho

Há algum tempo eu li que em algumas cidades brasileiras seriam instalados banheiros públicos individuais, confortáveis, cheirosos, com direito até a musica ambiente. Com uma moeda de cinquenta centavos o freguês pode usá-los por 15 minutos, após o qual a porta destranca-se automaticamente depois que uma gravação avisa que o tempo acabou.

Imaginando que Bom Jesus/RJ pudesse ter um desses, dei asas à imaginação e produzi este texto de cultura inútil, mas que pelo menos pode servir para evitar constrangimentos. Como veremos, é sensato andar por aí com algumas moedinhas de cinquenta centavos.



Mas antes, que os meus amáveis leitores e graciosas leitoras me perdoem desta vez pelas palavras chulas, poéticas se comparadas às que este escrevedor gaiato ouvirá de forma direta ou em transmissões mentais.

Já reiterei devidamente a minha querida mãe que ela é uma santa senhora, ao mesmo tempo prevenindo-a de que embora eu não seja árbitro de futebol, ela pode ser injustamente considerada pertencente a classe menos nobre. Vamos lá:

Consta que um homem, cujo fanatismo por uma farra só é menor que a paixão nutrida pelo seu time de futebol, tomou um porre homérico numa noite em que o seu clube foi rebaixado para a Segunda Divisão.

No outro dia, puto da vida pelas gozações inevitáveis, comprou o jornal numa padaria do Bairro Lia Márcia, onde mora, e foi para o trabalho no Pimentel Marques.

No caminho, passou a contorcer-se em dores, o intestino em polvorosa.

- Aquela feijoada não pegou bem, pensava, ao mesmo tempo amaldiçoando até a quinta geração daqueles pernas-de-pau que podem ter brincado de tudo na infância, menos de jogar bola.

Pensava nisso tentando vislumbrar algum banheiro decente nos bares que encontrava pelo caminho.

- Não vai dar para chegar ao trabalho, constatava, suando em bicas, e nesta altura andando meio de lado, até que apareceu tal qual um oásis o seu maior objeto de desejo naqueles trágicos momentos: o banheiro público da Praça Governador Portela.

Tanto melhor que era um daqueles modernos, limpinhos, um oásis na vastidão de cólica.

Em desespero, vasculhava febrilmente os bolsos em busca de uma moeda de R$ 0,50.

A muito custo achou uma no bolsinho frontal da calça. Era a única. Depositou-a no compartimento específico. Abriu-se a porta por onde ele entrou de supetão.

Lá dentro, alívio total.

Sentado no trono asséptico, aliviava-se lendo o jornal e ouvindo música.

Não reparou no aviso de que uma moeda dava direito a apenas 15 minutos. Extrapolou o tempo na leitura tentando entender como o seu time querido dera tanto vexame.

E aquele coro infernal martelando na sua cabeça, - ão, ão, ão, segunda divisão!

De repente, uma voz metálica: “seu tempo esgotou”.

Simultaneamente ouviu destravar-se a porta, e um vento forte fê-la abrir-se totalmente.

Ficou ali, sentado e em pânico sob os olhares de curiosidade dos transeuntes num local de intenso movimento.

Uma provecta senhora passou e fez o sinal da cruz. Uma menininha beliscou a mãe: - Mãeeee, o que ele faz ali?

Um gaiato perguntou:
- Me vende um quilo de pregos?

Um outro:
- E aí cagão?

Teve até um, metido a poeta, que resolveu juntar uma pequena multidão para recitar suas obras-primas literárias:
- Aqui termina toda a deliciosa obra de um cozinheiro.

E continuava:
- Neste lugar solitário/é onde os fracos fazem força/e os valentes se cagam;

- Quando fores ao banheiro/é favor trazer papel/porque merda não é tinta/e dedo não é pincel;

- Sentado na privada/sinto uma emoção profunda/a merda bate na água/e a água bate na bunda.

E por aí afora.

O torcedor, coitado, a ponto de sofrer um enfarte, observava a aglomeração com um olho entre as frestas do jornal que usava para se encobrir e permanecer no anonimato, tentando elaborar um plano para sair daquela encrenca.

E a multidão crescendo, crescendo e excitando o entusiasmo dos que queriam aparecer através da desgraça alheia, como um cidadão pretensamente sério, compenetrado, com ares de orador e um livro debaixo do braço, que emergiu abrindo caminho com autoridade no meio da multidão, para filosofar:

- Vedes que exemplo de despojamento, disse, apontando o dedo para o local onde convergiam todos os olhares.

- Este digno ser humano não carrega consigo o sentimento censurável da vergonha. Quem, de vós, tem a coragem de fazer, de público, um ato tão natural quanto este de cagar?, perguntava, aproximando-se, devagar, do infeliz.

Já na porta, continuava o discurso:
- Percebam vós que até este cheiro..., farejou apuradamente, acenou com um gesto como a pedir um tempo para a platéia e, abaixando a voz, fez uma pergunta/comentário ao pobre coitado:

- Mesmo com todo esse vento, rapaz..., tapou as narinas, - de que anda você se alimentando?

Ao que uma vozinha sumida, trêmula por trás do jornal, retrucou: - Te dou cinquenta reais em troca de uma moeda de cinquenta centavos!


Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em março/2000 e adaptado posteriormente