- Por favor. Ajude minha neta.
- Hein?
- Ela está no chão da cozinha, se esvaindo em sangue.
Não podia perder tempo com explicações. Saí com o velho puxando-o pelas mãos o mais depressa que seus passos curtos podiam.
Subimos a rampa que dava acesso à residência dois quarteirões depois do meu, onde moravam ele, a filha e a neta de 11 anos que fazia os trabalhos da casa enquanto a mãe trabalhava como doméstica em Bom Jesus.
Na cozinha, uma cena dantesca: a criança raquítica, que aparentava menos idade da que realmente tinha, no chão, em posição fetal, mãos em concha nos genitais ensopados de sangue, gemendo, olhos vítreos de pavor fitando o nada.
Recuperei-me do choque e imediatamente liguei para o hospital. Já na ambulância, o diagnóstico: estupro.
Creio desnecessário entrar em considerações sobre a selvageria do crime e dos traumas psicológicos da vítima.
Um homem corpulento, foi só o que a criança conseguiu identificar, com cerca de 30 anos, bafo insuportável de cerveja.
Pegou-a de surpresa quando o avô jogava o baralho rotineiro na praça próxima para matar o tempo da aposentadoria. Tapou-lhe a boca, ameaçou-a. Grandessíssimo covarde!
Ah, leitores. Sou Gentil dos Anjos Flores da Purificação, 37 anos, seu criado. O nome não é verídico, mas este pseudônimo assemelha-se à minha personalidade dócil.
Sou um sujeito amistoso, possuo instrução superior, adoro minha família; tenho muitos amigos (cativo-os facilmente), vou à missa todos os domingos com minha mulher e o casal de filhos, uma menina com 12 e um rapaz com 14.
Mas veja este emaranhado de incongruências que é a personalidade humana!
Minha cidade é pequena, próxima de Bom Jesus. Todos conhecem todos. Aos domingos costumamos bater uma bola no campinho mantido pela prefeitura perto de onde moro. Num desses domingos, achei que o Pacheco estava meio doidão, chegou a me dar uma canelada com aquele corpanzil todo, que doeu pra burro.
Ao se desculpar, um bafo rançoso de cachaça provavelmente misturada com cerveja e algum tira-gosto acebolado. Cruz credo!
Depois do jogo, como costumávamos fazer, paramos no boteco do Ranulfo. Uns seis ou sete de nós molhávamos a conversa sobre a roubalheira no Governo Lula da Silva, prometendo-nos que por nós ele voltaria para Garanhuns, naturalmente não num pau-de-arara, mas certamente num reluzente jato executivo.
De repente passou uma mocinha de uns 15 anos e percebi que o Pacheco a fitava com um olhar estranho.
Depois de várias cervejas e algumas ´purinhas´ para complementar, o Pacheco, que já estava meio chumbado, chegou a um adiantado estado etílico, a senha para que meus amigos se despedissem.
Mas eu e ele ficamos para uma saideira proposta por mim. Dado o seu estado, foi fácil disfarçar que eu também bebia com a mesma sede que ele. - Você gosta de menininhas novinhas, Pacheco?, perguntei, de chofre.
- Ahnn?, arregalou os olhos.
- Isso mesmo, cara. Elas são bonitinhas, não é?
- Ih, que conversa é essa, Gentil?, falava como um autêntico bêbado que estava.
- Pode se abrir comigo, Pacheco, temos as mesmas preferências...
- Para com isso, disse, sem muita convicção.
- Vai dizer que não..., insistia não deixando seu copo esvaziar-se.
- Ah, Gentil. Isso é chave de cadeia...
- Pô, cara. Não confia em mim? Pode se abrir. Sou seu amigo, tenho as mesmas preferências. Não é legal ter alguém com quem compartilhar as mesmas predileções?
O brutamontes fitou-me ainda meio desconfiado, mas acabou entregando:
- De 10 a 15...
- Como?
- Depois de 15 não gosto...
- Ah, seu safardana. Que coincidência... Eu também! Ah, e prefiro pegar elas de surpresa.
Aí ele não resistiu. Se abriu totalmente. Escancarou.
- Então sê também gosta, né? O que você diz pra elas não gritarem?
- Conta você primeiro.
- Simples. Tapo a boca delas, ha, ha, ha.
- Aquela de 11 foi você, Pacheco?, perguntei esforçando-me para fazer uma cara voluptuosa.
- Foi difícil. A safada lutou muito. Mas depois sei que gostou, igual as outras. Peguei ela por trás, nem me viu!
- Pacheco, que tal se nós..., cochichei no seu ouvido um harém imaginário cerca de 10 quilômetros dali.
Topou na hora, como que refazendo-se da bebedeira, num esgar horrível de perversão, olhos esbugalhados.
Pagamos o restante da conta e entramos no meu carro. Já estava escurecendo, e a pretexto de procurar alguma coisa, abri o porta-luvas e discretamente acariciei meu ´trezoitão´, assegurando-me de que não o esquecera.
Numa estradinha de chão, depois de rodar uns seis quilômetros, já noite, parei para ´urinar´. O miserável também desceu, sem disfarçar o frenesi pela festa que julgava próxima.
Abri o porta-malas e peguei as algemas que havia comprado numa ocasião num brechó no Rio de Janeiro. Peguei também a lanterna.
Dei a volta e entrei pela porta do carona, peguei o 38 e, por trás do desgraçado, apontei-o para sua nuca.
- Nem um pio. Aqui tem muitos urubus doidos por uma farra.
- Mas...
Dei-lhe uma coronhada para ilustrar que falava sério, com força calculada a não desacordá-lo.
- Vamos conversar mais um pouco sobre menininhas, disse, colocando-lhe as algemas.
Manietei-o com a fita crepe que também carregava no porta-luvas, dando muitas voltas. Quase não pude controlar a náusea por aquele verme covarde, com os olhos saltando das órbitas pela estupefação, em indescritível pavor, ao contrário do miserável estuprador cheio de si, arrogante ao seviciar suas vítimas.
Amordacei-o porque já estava perdendo a paciência com suas súplicas a Deus e a todos os santos.
Derrubei o crápula para que ele pudesse passar por baixo da cerca de arame farpado. Já em pé, fui empurrando-o com o cano da arma nas suas costas até uma pequena mata no meio do pasto, a uns 800 metros da estradinha, onde os pouquíssimos passantes, quase nenhuns àquela hora não pudessem nos ver.
Tudo se passava na minha cabeça enraivecida: o drama daquela criança inocente, frágil, marcada para sempre pelo desatino de um brutamontes filho de uma que ronca e fuça; minha própria filha, linda, desabrochando para a vida sem a percepção do que há de ruim neste mundo. Filha minha a quem dou minha própria vida, se necessário.
Entrando na mata, ordenei-o que parasse. Minha intenção era matar o desgraçado depois de fazê-lo sofrer, mas ainda não tinha ideia como.
Clareando o chão com a lanterna, vi um grande formigueiro, daquelas formigas pretas que mais parecem piranhas terrestres, tal a voracidade com que mordem. Aí me bateu uma ideia perversa.
Desabotoei enojado sua calça e arriei-lhe a cueca sordidamente imunda. Calculei mentalmente as distâncias em relação ao tamanho do infeliz e finquei três pedaços de pau no solo fofo pelas chuvas que caíam há uma semana, com a ajuda de uma pedra, dispondo os paus como os vértices de um triângulo.
Obrigueio-o a sentar-se e amarrei firmemente com a fita seus pés em dois dos paus, de modo que suas pernas fizessem um V aberto.
No outro pau, coloquei seus braços algemados e igualmente os amarrei fortemente. Pronto. Ele estava sentado, nu, bem em cima do formigueiro, inteiramente imobilizado.
Não quis ficar olhando o trabalho das formigas. Fui embora e programei o celular para me acordar às 3 da madrugada. Quando voltei, a lanterna me apontou uma cena macabra: seu pênis e testículos haviam se transformado numa pasta liquefeita.
O semblante do infeliz não era bonito de se ver. Falei ao seu ouvido: - é bom estuprar menininhas, seu bastardo? Ato contínuo, aliviei seu sofrimento com um balaço na nuca.
No outro dia, a cidade em polvorosa. O velho foi até minha casa perguntar se eu sabia o que havia acontecido. Pisquei-lhe um olho e disse: - presente meu para sua netinha.
Em seguida fui prestar contas à Justiça. Contei tudo. E deste catre onde pago a dívida com a sociedade, e de onde escrevo estas notas, nada é mais confortante que o olhar de ternura daquele velho que vem me ver todos os dias.
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em outubro/2006