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4 de abr. de 2013

Noite feliz..., para alguns

Tenho recebido cartas de alguns leitores discordando do que escrevo e de como escrevo.

Reclamam do meu espírito sorumbático por escolher temas às vezes pessimistas e áridos, bem como dos termos rudes e com enfoques críticos.

Estes leitores gostariam de poder ler algo mais ameno e otimista, justificando-se que a vida já é tão rude, difícil, e meus artigos contribuem para deixá-la pior.


Pensando em agradar a estes prezados leitores esforcei-me em escrever algo mais light, mais “pra cima”. 



Contudo, o resultado foi catastrófico, razão pela qual creio tê-los perdido definitivamente. Explico: é que resolvi escrever sobre as festas de Natal e Ano Novo. 

Há algo mais pungente e agradável? E comecei assim:

“Aproximam-se as festas de Natal e Ano Novo. São épocas de mesas fartas, bebidas em profusão, a emoção aflorando à flor da pele no contato com parentes e amigos, no exercício mágico de dar e receber presentes, na alegria contagiante e desmedida pelo redespertar da fé; 

São momentos propícios a despirmo-nos de egoísmos, invejas e ambições, com mentes e corações receptivos a todo e qualquer gesto de carinho e amor.” (Neste momento tive uma recaída e vejam como fracassei no meu intento de escrever coisas alegres!).

Pensando bem, prossegui, nem todos têm a mesa farta, e sem medo de ridicularizar-me pelo trocadilho infame e desgastado pelo uso, milhares, milhões de brasileiros não têm sequer a mesa, e em seu arremedo, ‘farta’ tudo;

Generalizei ao falar de corações carinhosos mas não posso  esquecer-me das miríades de exceções, como é o caso de crianças que suplicam a Papai Noel uma bicicleta, mas só o que recebem de seus papais covardes são hematomas profusos causados por bofetões inspirados pela demência etílica e à ignorância no decorrer de todo o ano, mais acentuada nesta época natalina.

Como articular argumentação destituída de críticas quando nossos ‘garotos’ de Harvard nos presenteiam antecipadamente com um pacote de gosto duvidoso, cujo conteúdo é recheado de estagnação, recessão, desemprego, falência e mais fome? 

E as desigualdades? Cada vez mais iguais! Ricos cada vez mais ricos, pobres cada vez mais pobres, remediados para o espaço, antes, porém, pagando seus impostos astronômicos retidos na fonte!

Bem, leitores que acabo de perder, enquanto vocês tentarem fazer ouvidos moucos para os soluços de desespero dos oprimidos, dos espoliados sem teto, sem terra e sem esperanças, regozijando-se nas onerosas festas, nos lautos banquetes e rega-bofes, nos belos carnavais e nas vitórias do Flamengo, terão pavimentado o caminho em que continuarão transitando livremente e cada vez mais célere as injustiças e as desigualdades. 

Depois é só cercarem-se de grades e cães de guarda, belo negócio!

Mas se por acaso, ex-leitores, vocês resolverem encarar a realidade e se solidarizarem um tiquinho, vai aqui uma dica: uma bonequinha doada a uma criança carente já é um bom começo. (Pode ser uma bem baratinha, afinal, as Barbie’s foram feitas para nossas filhas).

De minha parte, lamento tê-los decepcionado mais uma vez e temo não poder corrigir-me. 

Não tenho vocação para colarinho branco nem dou sorte em jogos da loteria, daí não reunir condições de mudar-me para a Suíça, lugar paradisíaco que pode inspirar artigos mais otimistas. Afinal, o que os olhos não veem...

Feliz Natal, se possível.

Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em dezembro/1997