Flagra do Costelinha e do Felix em ação |
- Viu o susto que dei naquele cara da moto, o redator da Revista Status?, perguntou uma das cadelas, de um marron forte, bonitinha, toda felpuda, ao lado da ninhada de uns 5 ou 6 filhotes.
- Vi, latiu a outra, velha do vento sul, de cor branca com tonalidades cinza-avermelhadas por causa do pelo encardido e as inúmeras bicheiras. – O cara caiu, não foi?
- Au, au.
- Nem machucou muito -, comenta com pesar a marron. - Apenas uma contusão no tornozelo. Mas ele ficou bravo...! Escapei por pouco. Pena que nenhuma autoridade tenha visto a pedra que ele arremessou em mim. Se pega... Você não acha que o cara merecia ser processado por maus-tratos aos animais?
- Você é tão hipócrita... Assusta o homem e ainda quer que ele seja processado. E faz-me rir ao falar de autoridades... Você já viu alguma por aí?
- Tem razão, vivemos no paraíso. A propósito, sinto arrepios quando lembro da estória que o Killer me contou.
- Killer?
- Não conhece? Aquele pit bull lindão que anda sem focinheira com o dono, amarrado numa cordinha fina...
- O que estraçalhou uma menininha no Bairro Silvana?
- Não, sua tonta. Aquele é o Krueger, que o próprio dono matou a pauladas, não lembra?
- Ah, já sei. Killer. O cara do pedaço...
- Ele me disse que na cidade de onde veio, “gente” como nós não pode ficar vagabundando pelas ruas. A carrocinha é o maior terror. No canil público, depois de um tempo sem uma alma misericordiosa para adoção..., zás, adeus viola.
Nessa altura entra na conversa o Costelinha, um esqueleto andante em forma de cachorro: - Ei, meninas. Viram o Félix?
- Passou aqui agorinha.
- Até mais ver -, despediu-se a múmia canina saindo em desabalada carreira.
- Por que o Costelinha está com pressa?, pergunta entredentes a encardida, lambendo sofregamente uma das feridas.
- É que o Félix foi fazer o trabalho...
- Trabalho?
- Se liga, né. Daqui a pouco vai dizer que nem conhece o Félix...
- Conheço. O gato que vive no Hospital Jamile...
- É. O Costelinha fez uma parceria com ele. Sabe como é, a coisa ta brava, essa fome danada, as tripas finas engolindo as grossas... Ainda mais que algumas pessoas insensíveis com o reino animal, por não terem onde depositar as sacolas de lixo, penduram-nas em ganchos instalados nos muros, postes, árvores, em vez de deixarem para nós nas calçadas, nos meios-fios. Aliás, fica um belo visual, não é mesmo?
- Lindo, lindo. Melhor ainda quando o cheiro é forte. UUUHHMMMM..., me dá água na boca. Queria poder pular como gato...
- Matou a charada sem querer. Quando as sacolas estão nos ganchos é mais difícil, mas tem gente que não pendura, simplesmente as deixam soltas em algum lugar mais alto. Na João Ferreira Soares tem até um andaime abandonado que serve para pôr as sacolas. Aí é que entra o trabalho do Félix.
- Entendi. Vão-se os anéis, ficam as patas. O Félix pula no local e joga as sacolas no chão...
- Aí o Costelinha deita e rola... Ele adora quando no cardápio tem fraldas descartáveis, daquelas bem recheadas.
- UUUHHMMM... Que delícia! Nem me fale.
- O Costelinha só lamenta que ao despedaçar as fraldas sempre sobram pedaços que ele não consegue aproveitar... Que desperdício! Às vezes o vento leva os pedaçinhos até para dentro das casas de algumas pessoas.
- E pessoas não apreciam o manjar...
- Ficam é putas da vida. Só faltam sair dando tiro, que ignorância!
- Mudando de assunto, disse a marron, - ouviu o concerto esta madrugada?
- Acordou até defunto...
- Acho que aquela mulher da Sebastião P. Marques tem uns 15 cães em casa...
- Daí pra mais. E a Princesa, a cadela rameira da Lourival Cavichini sabe como provocá-los. Passa de vez em quando toda posuda, balançando o traseiro para eles. Aquela rua vira a sucursal do inferno para os humanos. Quando ela está no cio, então..., só faltam pular o muro.
- Parece que reclamaram da barulheira algumas vezes...
- Reclamaram. Mas como não mora nenhuma autoridade na vizinhança..., ficou por isso mesmo. O concerto está garantido com tenores, barítonos, contraltos, etc. E que gargantas! Pena que o repertório seja tão repetitivo, tem horas que até eu fico cansada com aquele au, au, au infindável.
- Os incomodados que se mudem... O lema da dona dos cachorros, parece.
- O papo ta bom, mas já vou indo. Ta na hora de passar umas motos. Ah; um conselho: deixa de ser burra e ficar correndo atrás de carros, que só vão te dar canseira e aquela cara de buldogue velho desiludido. As motos dão mais adrenalina porque sempre há a possibilidade de ocorrer um tombo..., au, au, au.
- Au, au, au pra você também, despediu-se a velha.
- E uive bastante nas luas cheias, rogando a São Francisco de Assis, nosso protetor, que continue nos protegendo das autoridades. Vai que elas resolvam ao menos nos dar aquelas injeções doloridas contra raiva...
Deus nos livre!
Autor: José Henrique Vaillant - Publicado em abril/2010